Enquanto o governo tenta fazer o ajuste fiscal, as famílias já colocaram o pé no freio nos gastos e mudaram radicalmente o padrão de consumo de produtos e serviços.

Desde o início do ano, 45% dos brasileiros alteraram muito a forma de comprar bens e serviços e 26% planejam seguir o mesmo caminho até o fim deste ano, aponta uma pesquisa inédita feita pela consultoria Officina Sophia para avaliar o comportamento do consumidor em tempos de crise e obtida com exclusividade pelo Estado. Com isso, até dezembro, 7 em cada 10 brasileiros terão feito o seu “ajuste fiscal”.

“Foi uma mudança significativa e muito rápida”, afirma Valéria Rodrigues, presidente da consultoria e responsável pela pesquisa que consultou quase 500 pessoas de todas as classes sociais no mês passado. Segundo a pesquisadora, o que chama a atenção é que quase a metade dos entrevistados (45%) alterou o padrão de gastos numa média de 20 setores. “Isso é muita coisa.”

Os setores campeões de cortes são os serviços básicos, de energia elétrica e água, com 93% e 87% dos entrevistados, respectivamente, reduzindo despesas que subiram, especialmente por causa do tarifaço. Na sequência, estão os bens duráveis, como móveis, eletroeletrônicos e celulares, todos com mais de 80% dos consultados informando que adiaram a aquisição desses itens, seguidos pelos cortes nas compras de importados, produtos de limpeza e nas despesas com lazer, com 80% dos entrevistados relatando que reduziram o consumo.

Apesar de o ajuste ter atingido um grande número de setores, dois foram preservados. A pesquisa mostra que 78% dos entrevistados não pretendem suspender gastos com a faculdade dos filhos e 56% não querem reduzir os desembolsos com planos de saúde. “Educação e saúde são os principais serviços que o brasileiro faz questão de manter mesmo com a crise, o que é positivo”, observa Valéria.

Ricos e pobres. A redução no padrão de consumo, provocada pela recessão, atingiu tanto os pobres como os ricos, mas quem cortou mais as despesas do início do ano até o mês passado foram os mais abastados. Dos 45% que informaram que reduziram gastos, 75% pertencem às classes A e B. Isto é, são pessoas com renda mensal familiar entre R$ 7 mil e R$ 10 mil, nas projeções de Valéria, que adotou na enquete o Critério Brasil de classificação social. Esse critério leva em conta a posse de bens.“Num primeiro momento, as classes de maior renda mudaram o modo de consumir, porque elas têm como remanejar as despesas, sem perder o status social”, explica a pesquisadora.

Já uma fatia menor de brasileiros, os da classe C, classificada na pesquisa com renda média mensal familiar na faixa de R$ 3 mil, declarou que já fez ajuste. “Os mais pobres sentiram a crise, mas não têm muita alternativa, eles não têm onde cortar”, explica Valéria. Além disso, ela pondera que esse estrato que ascendeu socialmente nos últimos anos não quer perder o acesso conquistado a produtos e serviços.

A classe C, de acordo com a enquete, está buscando mais formas alternativas para ter um fôlego financeiro, comparativamente às classes mais abastadas. Mais da metade dos entrevistados (51%) da classe C fez rodízio no pagamento de contas, ante 29% dos entrevistados da classe A. Um resultado parecido para todas as classes, na faixa de 40%, revela que houve neste ano uma concentração do pagamento de contas no cartão crédito para obter mais prazo.

Faz tempo que a dona de casa Maria Aldair Santos Aquino economiza por causa da crise. “Se eu falar que vou economizar em outra coisa é impossível”, diz. O marido, que é pintor, teve queda no volume de serviço. Maria, que vende chinelos customizados, viu sua renda despencar. No ano passado, tirava R$ 1.500 por mês. Neste ano, chegou a vender dez vezes menos.

Com o aperto na renda, a única alternativa tem sido passar o facão nas despesas, começando pelos produtos de limpeza. Antes usava Omo e Veja. Agora trocou as duas marcas por produtos similares mais baratos. “Coisas que eu não gosto de fazer eu tive de fazer. Eu tenho mania de marcas”, revela.

Pesquisa da Officina Sophia sobre o comportamento do consumidor em tempos de crise mostra que 67% dos brasileiros estão procurando marcas mais baratas de produtos de limpeza, independentemente da classe social. É que esses itens são de fácil substituição e a família não reclama quando a troca é feita.

Na alimentação, Maria também trocou o arroz da marca Prato Fino pelo produto em promoção. Pelos folhetos de propaganda, ela descobre qual é o supermercado perto de casa que reúne o maior número de promoções e faz essas compras nessa loja. Maria também cancelou o serviço de TV a cabo, que custava R$ 87 por mês, e adiou a compra do sofá novo, o conserto nas janelas da sua casa e a construção de um puxadinho.

Outra alternativa para sobreviver tem sido fazer um rodízio no pagamento de contas básicas de água e luz, serviços que ela já está economizando, desligando os aparelhos elétricos e até aproveitando a água do banho e da lavagem de roupas para limpar o chão. Quanto ao medo de ir parar na lista de inadimplentes por fazer rodízio no pagamento de contas ela é direta: “Chega uma hora que ou você come ou paga as contas”.

Desde o mês passado, a arquiteta Ana Claudia Carmello, de 43 anos, casada e com três filhos, está trabalhando em casa. Por causa da queda de cerca de 60% no volume de trabalho, ela decidiu fechar as portas do escritório. “Nunca trabalhei em casa, mas depois de 20 anos, fazer o quê.”

A prioridade dela e do marido, que é dono de restaurante e também sentiu a queda no movimento, é reduzir custos na atividade profissional e da casa. “Com a diminuição do número de clientes no escritório, tive de cortar custos e levar isso para a minha casa. Nunca tinha acontecido isso na minha vida.”

Para economizar, a família reduzir drasticamente as idas a restaurantes. “Restaurante foi uma das primeiras coisas que cortei.” Antes, a família comia fora ao menos quatro vezes na semana. Agora é uma vez.

As compras do supermercados também mudaram de perfil. Ana conta que, nos alimentos, deixou de comprar produtos premium e optou pelo mais básicos. Exemplo: os queijos finos saíram da lista de compras e agora só ficaram os básicos, como muçarela, queijo branco.

Nos produtos de limpeza, ela cortou itens específicos, como os para limpeza de piso laminado, que foram substituídos pelo álcool, que é um curinga na cesta.

Na lista de contenção de despesas, a arquiteta cortou as viagens internacionais. “Antes viajávamos pelo menos uma vez por ano para o exterior.” Agora, Ana Claudia conta que decidiu alugar o seu apartamento no Guarujá, litoral de São Paulo para pagar as despesas do imóvel, com condomínio, por exemplo. “Provavelmente, nem no réveillon irei para lá.”

Quanto às compras de móveis, eletrônicos, ela suspendeu tudo. “Estou evitando comprar qualquer coisa, a não ser que seja emergencial.”

Fonte: Estadão.com