Entenda a delicada situação das contas públicas brasileiras – o que está em jogo para 2016:
O governo Dilma Rousseff acumulou um déficit de R$ 21,7 bilhões nos primeiros nove meses do ano, o pior resultado para o período desde o início da série histórica, em 1997. Por outro lado, o governo contou com a ajuda de governadores e prefeitos, que registraram um forte superávit no período, reduzindo o rombo do setor público consolidado a R$ 8,4 bilhões até setembro. Até o fim do ano, o buraco vai piorar impressionantes 83% até dezembro – segundo o próprio governo, o rombo fechará 2015 em R$ 48,9 bilhões (isso sem contar a correção das “pedaladas fiscais”!)
Com esse déficits crescentes, o governo tem usado cada vez menos recursos para o pagamento dos juros da dívida pública. Resultado: o endividamento não para de aumentar. Um dos principais indicadores usados pelas agências de rating e pelo mercado financeiro para avaliar as condições econômicas de um país, a dívida pública bruta brasileira chegou a 66% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 65,5% em agosto. Em dezembro de 2013, quando a dívida começou a subir, o indicador estava em 53,3% do PIB.
Sim, caro leitor. A dívida bruta era equivalente a 53,3% do PIB há menos de dois anos. Como o Banco Central estima que ela subirá mais agora em outubro, chegando a 66,5% do PIB, a dívida brasileira terá subido 13,2 pontos porcentuais em menos de dois anos.
“Tivemos no ano uma forte redução das receitas”, afirmou ontem (29/10) o secretário do Tesouro, Marcelo Saintive. Entre janeiro e setembro, a arrecadação caiu 4,7%, já descontada a inflação, ante igual período de 2014. O governo tem arrecadado menos impostos por conta da recessão na economia, que reduz o faturamento e o lucro das empresas, além da renda dos trabalhadores. O governo também recolheu uma carga muito inferior de dividendos das estatais: foram R$ 19,6 bilhões ante R$ 6,1 bilhões na comparação entre janeiro e setembro de 2014 com igual período deste ano.
De acordo com Saintive, o resultado das contas públicas estaria ainda pior não fosse o “expressivo” corte de gastos públicos promovido pelo governo desde janeiro. De fato, o governo gastou 1,8% menos, em termos reais, com salários e encargos do funcionalismo federal, e as restrições aplicadas a programas sociais, como seguro-desemprego e abono salarial permitiram uma redução de R$ 8,1 bilhões, ou 18,4%, nas despesas, financiadas pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
O governo também passou a tesoura nos investimentos, cortando R$ 21,5 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), desempenho 41% abaixo do registrado entre janeiro e setembro do ano passado. “O governo tem feito sua parte”, disse Saintive, braço direito do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Pedaladas. O rombo poderá ser ainda maior caso o governo pague, de uma só vez, todas as dívidas que foram atrasadas pelo Tesouro Nacional junto a bancos e fundos públicos (BNDES, Banco do Brasil, Caixa e FGTS), as chamadas “pedaladas fiscais“. O total pendurado pelo governo é de cerca de R$ 50 bilhões, segundo revelou Saintive. Caso o leilão de hidrelétricas previsto para 25 de novembro seja frustrado, outros R$ 11 bilhões deixarão de entrar nos cofres federais. Desta forma, segundo Saintive, “o potencial de déficit total no ano é de R$ 110 bilhões”.
O governo ainda negocia com o Tribunal de Contas da União (TCU) um cronograma de pagamento das pedaladas. Na proposta que o Tesouro vai encaminhar a Corte de Contas haverá, segundo Saintive, diferentes caminhos, como um pagamento parcelado do que é devido ao FGTS e imediato, para o caso das dívidas com o BNDES.
No caso do BNDES, o governo prepara uma triangulação para fazer com que o pagamento das pedaladas tenha impacto somente no lado fiscal e não na dívida pública. Isso será possível porque o governo tem duas contas, por assim dizer. De um lado, há a chamada “conta primária” e, de outro, a “conta financeira”.
Na conta primária estão praticamente todos os gastos e receitas federais. Os gastos com salários de servidores, com aposentadorias do INSS, com investimentos, com o pagamento de programas sociais (Bolsa Família, Seguro Desemprego etc.), e receitas com impostos, dividendos de estatais etc. É desta conta primária que, todos os anos desde 1998, o governo se esforça para gastar menos do que arrecada. Via de regra, o superávit primário atingido de 1998 a 2013 foi feito, basicamente, por meio do aumento das receitas, principalmente. Com a desaceleração da economia, a arrecadação despencou e, em 2014, o governo fechou o primeiro déficit primário da série histórica. Agora em 2015, será o segundo – e, se chegar a R$ 110 bilhões com o pagamento das pedaladas, será definitivamente o maior de todos por muitos anos.
Já na conta financeira estão os gastos e as receitas com juros. Os gastos gigantescos do governo federal com os juros que incidem sobre os títulos públicos estão nessa conta.
Essas duas contas não “conversam”. Elas só fazem sentido para efeito de dívida pública. Aqui entra a triangulação que o governo prepara para fazer com o BNDES. O pagamento dos R$ 27,2 bilhões em pedaladas fiscais mantidas com o banco de fomento aumentará a dívida pública, uma vez que o governo terá que emitir títulos públicos para levantar o dinheiro necessário para esse pagamento. Para, na mesma hora, neutralizar esse efeito e evitar que a dívida pública aumente, o governo vai sacar do BNDES os R$ 30,5 bilhões cortados na semana passada da linha de financiamento do PSI, operada pelo BNDES. Esses R$ 30,5 bilhões constituem uma receita financeira. Por isso, o Tesouro não pode usar esse dinheiro para o pagamento das próprias pedaladas, mas pode, para efeito de endividamento público, “empatar”.
A contabilidade pública não é simples, mas compreendê-la permite mapear as jogadas que foram feitas nos últimos anos pelo governo, com as próprias “pedaladas fiscais”, além de outras manobras para fechar as contas de 2012 e 2013, envolvendo também os bancos públicos e o Fundo Soberano.