Paciente brasileiro pode esperar até quatro vezes mais tempo que cidadãos de outros países para ter acesso a medicamentos

No longo processo de estudo, registro e oferta de um novo medicamento, o paciente brasileiro pode esperar até quatro vezes mais tempo do que cidadãos de outros países para ter acesso ao produto. Dados do governo e de associações do setor mostram que os demorados processos de análise dos órgãos regulatórios brasileiros consomem até quatro anos e nove meses, enquanto em outras nações, o prazo pode ser de apenas um ano.

Estão somados nesse prazo os três principais processos necessários para que um medicamento chegue ao paciente da rede pública. O primeiro é a autorização governamental para a realização de pesquisas clínicas que vão comprovar a eficácia do medicamento. O projeto de pesquisa precisa receber dois avais: o ético, dado pelos comitês de ética em pesquisa (CEPs) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), e o da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que julga os aspectos de eficácia e segurança do medicamento estudado.

Enquanto no resto do mundo a licença para a realização dos testes não demora mais do que seis meses, no Brasil, ela com frequência ultrapassa um ano. “O principal problema é a necessidade de dupla avaliação do aspecto ético, pelo CEP e pela Conep, que muitas vezes têm questionamentos diferentes. Essa análise deveria ser feita apenas por um único órgão, como acontece na maioria dos países”, defende Ana Paula Ruenis, diretora-presidente da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro). A Conep tem 60 dias para dar seu parecer, mas, de acordo com Ana Paula, esse prazo geralmente é superior a 120 dias.

Após a realização dos testes clínicos, caso a eficácia e a segurança do medicamento fiquem comprovadas, o fabricante submete à Anvisa a solicitação de registro do medicamento, para que ele possa ser comercializado em território nacional. É nesse processo em que se apresenta a maior diferença em relação a outros países. Dados da agência referentes ao ano passado mostram que o tempo de análise pode demorar até 2 anos e 9 meses no caso de um medicamento genérico e um ano e cinco meses para um remédio novo. No resto do mundo, esses prazos ficam em cinco meses e um ano, respectivamente.

“No caso do genérico, se o processo fosse menos demorado, o consumidor poderia pagar mais barato porque teriam mais produtos de diferentes fabricantes no mercado”, diz Antônio Britto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). “Esses prazos já foram maiores, costumo falar que eles estão ‘despiorando’ porque a Anvisa tem tentado agilizar alguns processos, mas mesmo assim ainda estamos muito atrás de outros países”, completa ele.

Por fim, após o medicamento conseguir a licença de comercialização, ele ainda precisa ser avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), órgão do Ministério da Saúde que decide se o produto será oferecido na rede pública ou não. De acordo com o ministério, a análise dos membros da comissão leva em média seis meses, prorrogáveis por outros três. Após o primeiro parecer do órgão, a decisão ainda vai à consulta pública e, se a incorporação do medicamento for aprovada, o ministério tem outros seis meses para oferecê-lo aos pacientes. Nesse caso, não há como comparar com a média mundial porque são poucos os países que contam com sistema universal de saúde, com oferta gratuita de medicamentos.

Mudanças

Questionadas pelo Estado sobre a demora em seus procedimentos internos, a Conep e a Anvisa informaram que estão adotando novas regras com o objetivo de agilizar a aprovação das pesquisas clínicas no País. A comissão colocou em consulta pública resolução que muda o processo de acreditação dos comitês de ética em pesquisa (CEPs). Já a Anvisa colocou em vigor no início do ano regra que fixa prazo máximo de 90 dias para análise de estudos clínicos de fase 3 (última etapa de uma pesquisa) que estejam sendo realizados simultaneamente em outros países. Com isso, a ideia é que o Brasil não fique de fora de estudos internacionais por não se enquadrar nos prazos mundiais.

Para Interfarma e Abracro, porém, as mudanças no sistema CEP-Conep não são suficientes. “Mais comitês de ética serão acreditados, mas a Conep vai manter o controle. Os CEPs não serão independentes e a dupla validação vai continuar sendo necessária. Dessa forma, não adianta agilizar o prazo da Anvisa se a pesquisa vai ficar presa nos órgãos de ética”, diz Ana Paula.

Quanto aos prazos de registros de medicamentos, a Anvisa afirmou que o tempo médio de análise de um novo remédio varia bastante conforme sua categoria e complexidade técnica. De acordo com a agência, “um processo com dados deficientes vai motivar questionamentos por parte do técnico da Anvisa e por consequência um tempo maior de análise, enquanto um processo com dados bem claros e sólidos será analisado em um tempo menor”.

A agência ressaltou que existem diferentes filas de análise e, portanto, há a possibilidade de que a análise de um medicamento seja priorizada. Atualmente, podem passar à frente genéricos inéditos e produtos de interesse do SUS.

Fonte: O Estado de S.Paulo