A culpa por um acidente de trabalho não pode ser atribuída exclusivamente ao funcionário, ainda que ele não tenha utilizado equipamentos de proteção individual (EPI).
Antes desse uso, há medidas coletivas a ser tomadas pelo empregador para sanar ou reduzir os perigos existentes no ambiente laboral. Este foi o ponto de vista unânime defendido pelos participantes da audiência pública que debateu o uso dos EPIs, na quinta-feira (16), na Comissão de Direitos Humanos (CDH).
Apesar dos avanços nas normas que dizem respeito à segurança dos empregados, o Brasil continua entre os cinco países que registram mais acidentes de trabalho no mundo, lamentou o presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS). Ele questionou ainda a eficácia dos EPIs.
— Alguns números mostram em 2013 uma taxa de mortalidade de 6,53 por 100 mil segurados. Não dá pra achar que simplesmente o equipamento resolve a questão da segurança no emprego — disse.
Segundo explicou Rômulo Machado e Silva, representante do Ministério do Trabalho, a distribuição de capacetes, luvas, cintos ou óculos não elimina o risco inerente a atividades perigosas, nem acaba com a necessidade de pagamento de adicionais de insalubridade, por exemplo. Para ele, a sociedade e os empregadores precisam entender que há uma hierarquia de medidas de proteção a ser aplicada quando se trata de segurança no trabalho: as coletivas (abafar e proteger máquinas ruidosas, por exemplo), as administrativas (fazer rodízio de funcionários para operá-las), e, somente depois, as individuais (usar protetores de ouvido, luvas, capacete, colete, cinto) e que todas devem ser colocadas em prática.
— Antes de qualquer conversa, é necessário acabar com a cultura do EPI, de que segurança e saúde no trabalho se faz com o uso do equipamento individual. Há uma cultura enraizada junto às bases empresariais, e isso é algo que se deve combater com muita força – declarou.
O procurador do Ministério Público do Trabalho, Ronaldo Lira, afirmou que a proteção ao trabalhador brasileiro está deixando a desejar. Ele também partilha da visão de que o funcionário não pode ser o único responsável por sua própria segurança.
— A normatização brasileira é exemplar, agora por que nós temos esse número expressivo de acidentes? Alguma coisa está faltando, essa engrenagem de proteção do trabalhador, ela não está funcionando. Infelizmente no Brasil, ela está de ponta cabeça, porque em primeiro lugar, há priorização do Equipamento de Proteção Individual — disse.
Além da proteção a acidentes em locais óbvios, como canteiros de obras, o procurador citou situações que também precisam de atenção, como na área de saúde, pois servidores são constantemente contaminados com doenças como Aids e hepatite. Trabalhadores rurais, submetidos ao uso de equipamentos que muitas vezes agravam a saúde, ou até mesmo situações de estresse e assédio moral aos demais trabalhadores que levam a doenças psicológicas completam o quadro.
Culpa
Na opinião de Luiz Carlos Oliveira, da Força Sindical, a defesa ostensiva da necessidade do uso dos EPIs acaba por facilitar a culpabilização do trabalhador pelos acidentes de trabalho quando, na verdade, eles não deveriam ser utilizados como primeira política de segurança. Ele deu como exemplo dessa distribuição de culpas o acidente envolvendo o cantor Cristiano Araújo. A primeira reação da sociedade foi condenar o motorista pela morte, e só depois se apurou que a provável causa do acidente tenha sido uma troca irregular das rodas do veículo acidentado.
Juneia Bastista, da Centra Única dos Trabalhadores (CUT), afirmou que os 700 mil acidentes de trabalho ocorridos em 2013 se deram por falta de uma política efetiva de promoção da saúde do trabalhador e pela lógica que prioriza o lucro e o capital acima do bem estar dos funcionários. A adoção de EPIs é uma medida simplista e econômica para a empresa, principalmente quando os equipamentos não têm certificação e não são ajustados corretamente, restringindo habilidades na execução de tarefas. Marco Antonio Peres, representante do Ministério da Previdência, ressaltou que, independentemente da qualidade do EPI, se ele for usado sem orientação ou de maneira incorreta, é inútil.
Já Francisco das Chagas Costa, da Nova Central Sindical, mostrou imagens de lesões na pele, amputação de membros e acidentes fatais com trabalhadores da construção civil e de setores que manuseiam produtos considerados perigosos.
— Não é acidente de trabalho, é assassinato, é crime — declarou.
Para ele, o número de acidentes de trabalho ainda é grande porque não há fiscalização das condições laborais a que são submetidos os funcionários e o treinamento para o uso dos EPIs é quase inexistente. Ele pediu a contratação de mais auditores pelo governo para essa fiscalização.
Outra ação governamental que deveria ser tomada, segundo Cleonice Caetano, da União Geral dos Trabalhadores (UGT), é a intensificação de campanhas informativas sobre acidentes de trabalho, a exemplo do realizado com a Aids, a dengue e contra o trabalho infantil. Ela também mencionou um dado controverso: as empresas de EPI faturaram mais de R$ 5 milhões em 2013, com aumento de 5% de lucratividade a cada ano, e se questionou se realmente há interesses em diminuir acidentes de trabalho com uma indústria tão lucrativa.
— Será que eles não estão precarizando o trabalho para vender soluções? — questionou.