Economistas alertam que mesmo uma revisão na política de juros não surtiria efeito imediato. E indicam oito propostas para uma agenda positiva na economia, voltada ao crescimento sustentável

A trajetória do mercado de trabalho neste ano indica que o Brasil chegará ao fim de 2015 em uma situação ruim. Com a recessão, o corte de postos de trabalho deverá ficar em torno de 1 milhão de vagas formais, refletindo que neste ano a queda de braço entre capital e trabalho termina com o pior saldo para os trabalhadores. Esse resultado reverteria, em parte, uma tendência positiva dos dois mandatos do governo Lula e da primeira gestão Dilma, que juntos criaram mais de 20 milhões de postos de trabalho formais.

Na região metropolitana de São Paulo, um dos principais termômetros do mercado de trabalho no país, o contingente de desempregados, que segundo dados do Dieese e da Fundação Seade era de 1,169 milhão de pessoas em setembro de 2014 – quando a crise começou a se agravar –, em julho deste ano subiu para 1,514 milhão, um incremento de 29,5%.

Não fosse a histórica tendência do desemprego de crescer no primeiro semestre e cair no segundo, graças a eventos que injetam recursos na economia e aquecem o consumo, como 13º salário, festas de fim de ano e as contratações temporárias, a região metropolitana poderia chegar ao fim de 2015 com 15% de desempregados. “Eu preferiria projetar entre 13% e 14%, que já é um resultado ruim”, pondera o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, prevendo que os eventos do semestre ainda vão injetar ânimo na economia e atenuar o crescimento do desemprego, que conforme a última taxa do Dieese, de julho deste ano, está em 13,7%.

“Uma possibilidade é que a gente tenha neste ano um crescimento maior do desemprego, o que já foi observado, e não tenhamos a tradicional queda da taxa no segundo semestre, portanto, ficaríamos com uma taxa de desemprego alta”, diz. Clemente acredita que, se não houvesse a crise, essa taxa estaria em 9%. “Cinco pontos percentuais acima em dezembro deste ano já é uma diferença grande. Outra coisa é dizer ‘cheguei em 15%’; não só não diminui em relação ao primeiro semestre, como ainda se expande. Aí é um fenômeno que há muito tempo a gente não vê. Isso significaria estar em um processo de desmobilização muito forte”, afirma.

Enquanto as medidas de ajuste fiscal para equilibrar o orçamento e o difícil entendimento com o Congresso absorvem as atenções do governo, economistas ouvidos pela RBA concordam que na hipótese de uma agenda política positiva, o governo teria de olhar para a retomada dos empregos em primeiro lugar. Concordam também que os empregos só voltam quando os juros voltarem a cair. “É evidente que taxas elevadas de juros prejudicam a competitividade, prejudicam a indústria nacional, primeiro porque aumenta o custo de financiamento das empresas. Mas o principal fator é que as taxas elevadas estabelecem um patamar mínimo de rentabilidade para as atividades econômicas que abaixo daquele patamar as empresas fecham, porque é mais fácil ganhar 14% ou 15% com juros do que ganhar produzindo”, afirma o professor de economia da Unicamp Guilherme Mello.

Para Mello, a redução dos juros tende a ampliar as oportunidades de aplicação produtiva do capital, que sai da esfera meramente financeira, e é forçado a ser aplicado produtivamente para ter taxa de rentabilidade maior. “A redução dos juros seria uma sinalização importante para retomarmos o crescimento. E mesmo que começasse a ser adotada agora, não reverteria de imediato o cenário de desemprego. Demora um tempo para produzir uma mudança na confiança dos empresários, em suas expectativas, para no futuro voltarem a investir, a produzir”, afirma.

O diretor do Dieese afirma, também, que “a queda dos juros significa uma sinalização da política econômica e monetária” para uma retomada do crescimento. “Juros menores significam uma compreensão de que o nível de atividade precisa ser retomado, de que é isso que vai criar empregos, reduzindo estruturalmente o desemprego. Isso só vai acontecer quando todos os indicadores macroeconômicos apontarem para a perspectiva do crescimento”.

Os economistas ouvidos pela RBA defenderam ainda uma série de medidas que poderia compor uma nova agenda econômica positiva com foco na retomada do desenvolvimento de modo sustentável.

Juros

Se uma queda na taxa de juros não efeito instantâneo na retomada do crescimento, o aumento da taxa de juros leva de imediato ao aumento do desemprego. “Portanto, que se pare de aumentar a taxa e se trate de reduzi-la. Mas como reduzir a taxa de juros com inflação alta? Bom, basta esperar dois ou três meses que você vai ver a inflação caindo rapidamente. A inflação vai sair desse patamar de 9% ao ano para um patamar muito mais baixo porque o primeiro semestre deste ano teve inflação muito alta e o primeiro semestre do ano que vem não vai ter essa mesma inflação, porque não teremos os reajustes das tarifas públicas na mesma intensidade”, afirma Guilherme Mello.

Financiamento privado de longo prazo

Seria muito interessante que o setor financeiro privado emprestasse dinheiro para promover o crescimento da produção no país. Para Mello, o sistema financeiro deveria servir aos propósitos de desenvolvimento. “Mas é desfuncional, não tem responsabilidade social, atua no que chamamos de setor rentista, não contribui para o aumento da produção, do emprego, da pesquisa, da inovação e apenas vive da renda gerada pelos títulos da dívida pública brasileira”, observa.

“Para construir mecanismos privados de financiamento de longo prazo, além de uma regulação, e isso faz parte de uma questão microeconômica, para dar garantias, regras para o setor privado, você precisa passar pelo item anterior, que é a redução dos juros. Enquanto não reduzir, não vale a pena para o setor financeiro privado emprestar para aumentar a produção. É mais cômodo investir em títulos públicos”, afirma o professor da Unicamp, destacando que esses mecanismos começam a surgir quando a taxa de juros está caindo. “Aumenta a importância do mercado de capitais, dos títulos de dívida privada, porque aí os investidores financeiros se deslocam da dívida pública e vão para esse mercado de longo prazo.”

Câmbio

Quando o real é valorizado em relação ao dólar, aumenta o poder aquisitivo do trabalhador, mas prejudica a competitividade das empresas nacionais. Ao aumentar o salário real, fortalece-se o mercado interno de consumo de massa. Mas ao enfraquecer as empresas, parte da demanda provocada pelo aumento dos salários é atendida pelas importações. Então, há um dilema no caso da valorização. E a desvalorização é ao contrário, ela reduz o salário real, aumenta a inflação e por outro lado melhora as condições de competição, seja para a indústria nacional frente às importações, seja na melhora das condições para os exportadores brasileiros.

Desbloquear investimentos públicos

No curto prazo, o governo poderia sinalizar com a retomada dos investimentos públicos, não só preservá-los como em alguns casos aumentá-los, “porque existe uma série de projetos já engatilhados, como é o caso da cidade de São Paulo, que tem creches, corredores de ônibus, programas de habitação popular que estão esperam a liberação das verbas federais para serem construídos”, afirma o economista da Unicamp.

Mello acredita que seria preciso desbloquear esse debate público de que o governo não pode mais investir e promover os investimentos. “Muitos deles, inclusive, podem ser feitos em parceria com a iniciativa privada, que precisa achar bons projetos de investimento. Promovendo os investimentos, os recursos vão voltar na forma de impostos. Mais do que isso, a discussão de aumentar investimentos públicos está bloqueada porque as pessoas estão muito ligadas no déficit primário, que vai piorar se o investimento aumentar. Mas, na realidade, o nosso problema não é o déficit primário, mas o gasto com juros. Então se você conseguir reduzir os juros e o que se paga com swaps cambiais da dívida pública, você pode direcionar esse montante de recursos para o investimento público, que gera emprego e renda.”

Reforma tributária

Já que o país está precisando arrecadar mais, o que se poderia discutir, e isso também está bloqueado na sociedade, é o sistema tributário, que é profundamente regressivo – “esse sistema concentra renda e ao fazer isso ele diminui atividade econômica”, afirma Mello. “Quem é rico poupa parte da sua renda, e essa parte poupada não gera atividade econômica. O que a gente precisaria discutir é uma reforma do sistema tributário que desonere os mais pobres e onere os mais ricos. Dessa forma, você conseguiria melhorar a distribuição de renda na sociedade e com isso aumentar o consumo, a produção e a demanda para retomar o crescimento”, diz.

Dívida pública

O diretor-técnico do Dieese defende a auditoria da dívida: “A médio prazo é preciso alterar algumas coisas, como a composição da dívida e a forma como a política monetária opera – ela é muito cara no país, outros países operam com taxas de juros muito menores, por que temos de operar com uma taxa tão cara?”

Atualmente, a dívida interna em títulos está em R$ 3,6 trilhões e a dívida externa é de US$ 550 bilhões. Segundo a organização Auditoria Cidadã da Dívida, cerca de 70% do endividamento da União pode ser indevido. “E talvez até mais do que isso. Não há referência precisa, porque não temos todos os dados, mas tem uma parte que a gente analisou, e só esse item dos juros sobre juros e atualização monetária indevida já daria 70% tranquilamente”, afirmou à RBA em agosto a auditora aposentada da Receita Federal Maria Lucia Fattorelli, fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida.

Fonte: Rede Brasil Atual