Economistas, empresários e consultores, ouvidos pelo Valor nas últimas semanas, identificam o atual momento como aquele com a mais brutal desaceleração na história recente do varejo brasileiro. É um encolhimento em velocidade maior do que a verificada 20 anos atrás, quando Mesbla, Mappin, G.Aronson e dezenas de médias redes desapareceram do mercado, afetadas pelo fim da inflação que parou de mascarar má gestão e ineficiências. “Não houve queda tão abrupta nas vendas como a atual. Foi isso que chocou mais o setor”, disse Alberto Serrentino, consultor da área há 20 anos.

“O varejo fechou os anos de 2001, 2002 e 2003 com taxas negativas, pelos dados do IBGE, mas não foram quedas tão fortes”, disse ele. Em 2015, o varejo restrito (exclui automóveis e material de construção) teve queda de 4,3% nas vendas, pior número da série histórica iniciada em 2001. Janeiro de 2016 foi o pior mês em vendas (dessazonalizadas) desde 2005, para o mesmo mês.

Se na crise dos anos 90, entre 1997 e 2000, as seis maiores falências ou concordatas levaram à eliminação de 15 mil vagas e ao fechamento de 400 lojas das redes Mesbla, Mappin, G.Aronson, Arapuã, Casa Centro e Lojas Brasileiras, em 2015, foram 181 mil vagas cortadas e 100 mil lojas fechadas. O cálculo é da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Segundo Flavio Rocha, presidente da Riachuelo, as 100 mil lojas fechadas equivalem ao total de pontos de venda dos 530 shoppings do país. “Temos que entender a relevância do nosso setor. Se uma fábrica fecha mil vagas é toda uma movimentação. Se o varejo fecha 100 mil lojas não se fala sobre [isso]”, disse, dias atrás, Artur Grynbaum, presidente do Grupo Boticário, em evento do setor.

Para se ter uma ideia mais clara do efeito da recessão, cálculo da Tendências prevê que o varejo só volte a recuperar as perdas em vendas de 2015 e 2016 entre os anos de 2021 e 2022. Neste intervalo, o mercado deve voltar à base de vendas registrada em 2014, último ano de crescimento do setor.

Consultados, Rosenberg Associados, Banco Fator, Tendências Consultoria, Credit Suisse e CNC estimam quedas entre 2% e 5,9% nas vendas do varejo restrito neste ano. Para 2017, considerando um cenário sem Dilma Rousseff na presidência, as estimativas variam de estabilidade a alta de 2%. Com Dilma no Executivo, economistas acreditam numa queda novamente – seria o terceiro ano consecutivo com retração.

“Há uma dificuldade em determinar o tamanho do impacto hoje da permanência do atual governo nos dados de 2017 pelo nível de incerteza de muitas variáveis econômicas. Mas é difícil acreditar em crescimento no ano que vem mantendo esse quadro político atual”, disse João Morais, economista da Tendências.

Há um consenso de que a perda no ritmo de crescimento da inflação em 2016 pode melhorar esse cenário. Uma eventual recuperação no nível de confiança do consumidor no segundo semestre – caso o ambiente político se desanuvie – também pode pesar favoravelmente. Num ambiente desse, o varejo de alimentos e as farmácias podem ser os primeiros a recuperar vendas ainda neste ano.

“Acreditamos que uma recuperação nesses segmentos pode começar lentamente no segundo semestre de 2016, mas considerando todo um ambiente um pouco melhor, o que também é uma incógnita”, disse o economista da CNC, Fabio Bentes. “Num cenário sem novas notícias negativas, segmentos como o eletrônico [com retração de até 20% nas vendas em 2015] devem cair menos em 2016, mas ainda sentem a retração porque são mais afetados pelo aperto no crédito e a alta nos juros”, disse.

“Prevemos crescimento de 1% a 2% para varejo restrito em 2017 sem Dilma. Com a permanência dela, é possível alguma queda”, disse Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados.

A boa notícia é a perspectiva de uma retomada acelerada na lucratividade das redes. “As companhias vão sair da crise mais enxutas e eficientes, com despesas menores. E aí, quando a receita voltar a subir, podemos esperar um aumento de lucratividade”, disse Serrentino, da consultoria Varese Retail. Em alguns casos, elas estão sendo obrigadas a fazer o ajuste porque a crise escondia ineficiências antigas.

Líderes de mercado como Grupo Pão de Açúcar, Magazine Luiza, Via Varejo, Hering e Riachuelo iniciaram ou ampliaram planos de reduções de custos no último ano. Na avaliação de Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, a recessão obrigou as empresas a colocarem mais o “pé no chão”. “O desafio maior foi 2015. Apesar da crise também em 2016, nós estamos agora melhor adaptados, porque não estávamos acostumados com uma queda como a que houve. Então agora está todo mundo mais com o pé nos chão”, disse ela, dias atrás em evento sobre o setor.

Uma das principais discussões do mercado é a possibilidade de uma consolidação forçada, com redes comprando de forma “picada” pontos de vendas de varejistas em má situação financeira. Neste caso, o interesse não é na marca da loja, mas no ponto – ou seja, é uma consolidação que pode levar a uma maior concentração geográfica. São movimentos que exigem menor desembolso de caixa e ainda podem ser estrategicamente interessantes, dizem analistas.

Fonte: Valor Econômico