O sociólogo Julio Calzada – um dos responsáveis pelo projeto que legalizou a produção, distribuição, venda e o consumo da maconha no Uruguai – defendeu hoje (1º), em seminário no Rio de Janeiro, uma coalizão de países da América Latina para flexibilizar acordos internacionais sobre drogas. Ele lembrou que a Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961, será atualizada em 2016 pela Organização das Nações Unidas (ONU), que se manifestou contra a legislação uruguaia.

Revisada pela última vez em 1972, a convenção propõe o combate às drogas pela limitação do uso, da produção ou da comercialização, por exemplo – com exceção do uso para fins médicos e científicos –, e também por meio do enfrentamento direto ao tráfico de drogas.

De acordo com Calzada, que foi secretário-geral da Junta Nacional de Drogas no governo de José Mujica, mudanças nos marcos internacionais são fundamentais para que os países possam, baseados nas realidade locais, tratar do problema sobre novas perspectivas, como a de saúde.

“Desde 2014 estamos conversando, já somos 15 países, incluindo a América Latina e União Europeia. Estamos nos mobilizando para que essa discussão, em 2016, seja feita sem preconceito e sem temas proibidos”, afirmou ele no seminárioo “Maconha: Uso, Políticas e Interfaces com a Saúde e Direitos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “O objetivo é flexibilizar a interpretação da convenção. É preciso que não seja mais do mesmo”, completou.

O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, que integra a Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), também aposta na união dos países latinos para influenciar mudanças na convenção da ONU. Na opinião dele, as convenções internacionais não podem se tornar “amarras mandatórias” contra a autonomia e as soluções criativas de cada país.

Segundo Gadelha, quando alguns países começam a alterar o recorte da repressão às drogas, são logo lembrados que a convenção da ONU não permite ir além. “O que estamos propondo – e esse é o esforço do Uruguai e dos demais países – é que as convenções deixem esse nível mais geral de referência e permitam flexibilidades para cada país”, opinou.

Um dos objetivos do evento sobre a maconha, no Rio, que se estende até amanhã (2), destacou Gadelha, é lançar a discussão sobre o cultivo da droga para consumo próprio, o que a convenção da ONU, no modelo atual, não permite, e tem levado pessoas ao encarceramento.

A descriminalização do porte de maconha já tem apoio da Fiocruz. Paulo Gadelha diz esperar sensibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar, em breve, a constitucionalidade de artigo sobre a Lei de Drogas, de 2006, que não especifica diferenças entre usuários e traficantes. E o pior: essa definição fica ao arbítrio do policial, do delegado ou do juiz, “o que faz com que a maioria das pessoas criminalizadas sejam as mais vulneráveis”, avaliou.

No Uruguai, a legalização da maconha, em 2010, se deu em três perspectivas. Duas delas, a produção para consumo próprio e o uso por meio de clubes já estão liberadas. Falta a venda de quantidades tabeladas em farmácias, que está em fase de regularização.