Discussão entre governo e empresas deixa pagamentos em aberto no setor. Estimativa foi feita por especialistas ouvidos pela Reuters.

A discussão entre governo e empresas por um acordo para solucionar perdas de hidrelétricas com a seca, que paralisou a liquidação financeira de contratos de energia, deixa um total de mais de R$ 5 bilhões em pagamentos em aberto no setor, estimam especialistas consultados pela Reuters.

As liquidações, que estipulam pagamentos e recebimentos no mercado de energia, estão paralisadas enquanto a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) conduz uma audiência pública para fechar com as elétricas uma solução para os prejuízos decorrentes do déficit hídrico. Essa paralisia tem tido efeito nas negociações no mercado, reduzindo o número de novos negócios, além do preço.

Pela proposta da Aneel, após encarar dois anos de perdas de receitas devido à falta de água para produzir energia, as empresas receberiam uma compensação por parte do que perderam em 2015. Em troca disso, elas precisariam aceitar uma redução no preço de venda da energia para os consumidores e retirar liminares judiciais nas quais conseguiram proteção contra novos prejuízos decorrentes da crise hídrica.

Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o mercado está travado por 58 ações judiciais motivadas pela disputa em torno do déficit, sendo que 41 dessas ações protegem empresas ou grupos de investidores que possuem hidrelétricas, enquanto as demais são de companhias que temiam ter de pagar a conta devido às liminares obtidas pelas outras.

O diretor da consultoria e comercializadora Safira Energia, Mikio Kiwai Jr, estima que R$ 5,4 bilhões em liquidações de contratos de energia estejam em aberto na CCEE.

Desse montante, cerca de R$ 1,4 bilhão são referentes à inadimplência apurada na liquidação dos contratos de junho, que envolveu R$ 3 bilhões e registrou um calote recorde de quase 50%, justamente devido às liminares vigentes.

O valor restante é referente às liquidações de julho e agosto. A primeira aconteceria na semana passada, mas foi adiada e será realizada em conjunto com a liquidação dos contratos de agosto, em 7 e 8 de outubro, enquanto o governo tenta costurar o acordo.

Como as operações estão em suspenso, a CCEE ainda não enviou às empresas um relatório com o valor final a ser liquidado, segundo operadores do mercado de comercialização.

A proposta da Aneel envolve R$ 10,3 bilhões em compensação às usinas hídricas, referentes a perdas causadas pela seca neste ano, que obrigaram as empresas a comprar energia mais cara no mercado de curto prazo para cumprir contratos de venda de energia.

Efeitos no mercados

Nas liquidações da CCEE, eventuais inadimplências ou valores não pagos devido a proteção judicial são rateados entre os demais participantes do mercado, de modo que seja arrecadado o valor necessário a pagar as empresas que têm crédito a receber.

Com isso, as dúvidas sobre o desenrolar da disputa em torno do déficit hidrelétrico têm causado apreensão no mercado e até reduzido o número e preço das transações, segundo o sócio-diretor da comercializadora Federal Energia, Erick Azevedo.

“Esse impasse é ruim para o mercado porque dá menos liquidez. Ninguém quer ficar exposto (a uma eventual inadimplência), tem menos negociações de energia… todo mundo fica sem saber se vai receber, e quando”, apontou.

Azevedo também disse que as transações de venda de energia têm sido fechadas com deságio médio de cerca de R$ 10 por megawatt-hora frente ao preço de curto prazo, o PLD, o que costuma acontecer em situações em que as empresas temem calote ou atraso nos pagamentos.

Além disso, os operadores estão mais seletivos na hora de vender energia, com medo de inadimplência das contrapartes.

“Acaba gerando um efeito dominó. Às vezes alguém que ficou sem receber por causa do atraso da liquidação fica sem caixa… então começam a diminuir o número de transações e as empresas escolhem melhor seus parceiros, dão preferência aos que têm melhor histórico”, explicou Azevedo.

Empresas buscam garantias para fechar acordo

Especialistas consultados pela Reuters acreditam que empresas e governo chegarão a um acordo, até devido aos transtornos que a paralisação das operações na CCEE gera às empresas, com muitas delas à espera de receber valores relevantes nas liquidações financeiras.

“O sentimento que sinto nos clientes e agentes é de que todo mundo quer resolver essa situação, porque o nível de instabilidade em que o setor está não é bom para ninguém”, apontou o sócio da Demarest Advogados, Raphael Gomes.

Ele apontou também que as empresas têm pedido à Aneel que apresente garantias maiores sobre os termos do acordo para que possam desistir de suas ações judiciais, uma vez que a própria agência propõe que a proposta só será viável se ao menos dois terços das hidrelétricas aceitarem os termos apresentados.

“O acordo só para de pé se tiver uma boa parcela dos agentes aderindo… se 30% ou 40% não aderirem, por exemplo, pode criar uma insegurança muito grande e comprometer a resolução do problema”, disse Gomes.

O advogado especializado em energia do escritório Pinheiro Neto, José Roberto Oliva Jr, afirmou que as empresas também têm questionado a redução de tarifa a ser dada para o consumidor em troca do acordo. A Aneel sugeriu um valor equivalente a 10% do preço de venda de energia nos contratos regulados, a ser paga a título de “prêmio de risco”.

“Cada gerador tem uma visão de um prêmio diferente e a Aneel está buscando um valor único para todos. Para que a proposta seja viabilizada tem que ter uma aceitação grande de parte das geradoras para que sejam encerradas as ações judiciais, senão continua tudo como está. A Aneel deveria flexibilizar um pouco mais para que tenha uma adesão”, disse Oliva.

Fonte: G1