Dois anos seguidos de queda muito acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) levaram os pedidos de recuperação judicial a outro nível.

Antes mais concentrados nas pequenas empresas, o instrumento tem se disseminado entre as médias e grandes companhias, que sofrem com geração de caixa insuficiente para fazer frente aos compromissos financeiros assumidos durante o período de bonança.

Entre janeiro e abril, foram 571 pedidos, quase o dobro dos 289 registros em igual período de 2015, segundo dados da Serasa Experian. Nas médias empresas, a alta foi de 114%. Nas grandes, de 94%. E nas pequenas, de 90%.

Em 2011, do total de empresas que fizeram pedido de recuperação judicial, apenas 12% faturavam mais do que R$ 50 milhões ao ano. Em 2015, as grandes empresas representaram 19% do total de pedidos. Nos primeiros quatro meses de 2016, a parcela caiu para 16,6%, mas consultores notam que grandes empresas, como Oi e Gol, por exemplo, estão reestruturando dívidas, em vez de ingressar na Justiça com o requerimento, o que poderia elevar ainda mais esses números.

Para especialistas, há um “dominó” em curso que compromete a saúde financeiras das companhias. Marcelo Gomes, diretor-geral da consultoria Alvarez & Marsal, comenta que boa parte das empresas acreditou na euforia com a economia brasileira observada até 2011, principalmente. “As empresas então aumentaram muito seus investimentos, em novas lojas, novos sistemas, novas fábricas. Tudo isso feito com crédito barato”. Entre 2011 e 2013, a taxa básica de juros cairia de 12,5% para 7,25%, menor nível da história.

Os anos de bonança também costumam aumentar os custos operacionais, com mudança para escritórios maiores e contratação de funcionários, por exemplo. A partir de 2013, quando o mercado virou e as receitas passaram a crescer cada vez mais devagar – e encolher em 2015 – o custo de crédito também aumentou. “E aí a geração de caixa não se encaixava mais no custo da dívida”, diz.

Gomes ressalta que esse processo atingiu todos os portes de empresas, e poderia até ser pior. “Muitas grandes empresas em dificuldades não estão em recuperação judicial, porque os bancos estão avaliando que o problema é temporário, sistêmico, e por isso vale alongar o prazo de pagamento”.

Além disso, observa, os bancos precisam provisionar parte da dívida das empresas quando estas entram em recuperação judicial, outro incentivo para renegociação, observa.

Francisco Clemente, diretor da área de reestruturação da KPMG, avalia que as médias e grandes empresas são bastante afetadas por essa crise por uma série de razões. Em primeiro lugar, comenta, há os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que levou uma série de empreiteiras a pedir recuperação judicial no ano passado, entre elas gigantes como a OAS.

Um segundo problema das médias e grandes empresas, aponta, é que a partir de 2013, quando o crédito doméstico começou a rarear para as pequenas, as companhias de maior porte se voltaram para o exterior em busca de empréstimos.

Com a desvalorização significativa do câmbio em 2014 e 2015, as dívidas em moeda estrangeira, para muitas empresas, dobraram de valor. “E aí o custo de carregar esse débito aumentou. Renegociar também ficou mais difícil, até porque no ano passado perdemos grau de investimento por três agências de classificação de risco”, lembra.

Para ele, a reversão deste cenário ainda vai tomar um longo tempo. Por isso, Clemente não descarta que o país encerre o ano com mais de 2 mil pedidos de recuperação judicial, o dobro do ano passado, quando foram registradas 1.287 requisições.

Se confirmado, este seria o ano com maior quantidade de pedidos desde o início da série história, em 2005, quando a nova Lei de Falências entrou em vigor.

Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, não considera tão provável que o ritmo de aumento dos pedidos de recuperação judicial observado até abril se mantenha ao longo do ano. Mesmo assim, avalia que os dados são preocupantes. “Se o aumento estivesse concentrado nas pequenas empresas, mais vulneráveis, seria mais normal. Mas o que está acontecendo é preocupante”, afirma.

Para Vinicius Carrasco, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), os bancos estão capitalizados para lidar com as dificuldades financeiras das empresas e a recuperação judicial é um instrumento bastante útil para permitir que empresas em dificuldade possam se recuperar. O que preocupa, segundo ele, é o risco de “japonização” da economia brasileira. Na década de 90, bancos japoneses refinanciaram empréstimos de credores sem condições de honrar dívidas apenas para não ter que dar baixa nesses valores no balanços.

Mais do que no setor privado, diz Carrasco, esse é um risco no BNDES, por exemplo, com a renegociação anunciada de empréstimos no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). A principal consequência, diz ele, é a redução da produtividade da economia, já que os recursos de empréstimos são usados para manter vivas “empresas-zumbi”, enquanto outros negócios ficam sem recursos.

Para Rabi outro aspecto negativo da conjuntura atual é que não há praticamente nenhuma cadeia imune à crise. “Temos algumas poucas exceções, como a indústria farmacêutica, ou alguns ramos exportadores, mas a grande maioria está mal”, diz.

“Nós tivemos a época em que os pedidos de recuperação judicial se concentraram nas usinas de cana de açúcar, depois nos frigoríficos, depois nas empresas de peças automotivas, mas hoje não dá mais para apontar um ou outro setor que está mal, o problema é bastante generalizado”, concorda Clemente, da KPMG.

Para ele, além dos problemas já retratados, há ainda a inadimplência crescente enfrentada pelas empresas de todos os segmentos. Em uma pesquisa realizada com empresários do Sul do país, diz Clemente, 70% dos entrevistados relataram que têm recebido com atraso.

“É a tempestade perfeita”, resume Gomes, da Alvarez & Marsal, para quem há ainda a crise política, que aprofundou a crise econômica. “Foram dois anos em que nada aconteceu, todo mundo parou de investir”. Em sua avaliação, a economia ainda não parou de afundar e, na melhor das hipóteses, vai voltar a crescer apenas em 2018.