Empresários preveem reajustes diferenciados de acordo com o setor

Recessão, juros altos e crédito escasso impedem que a disparada do dólar tenha impacto imediato no bolso do consumidor, mas, em breve, os aumentos vão começar a ser percebidos de forma mais generalizada. De acordo com economistas, as vendas em queda acabam freando a pressão do câmbio sobre os preços. Empresários concordam, mas explicam que não é possível segurar os reajustes muito tempo e preveem repasse aos preços em maior ou menor intensidade, dependendo da situação de cada setor.

— A recessão posterga o impacto porque as indústrias estão com estoques elevados, e esses produtos chegarão ao mercado sem necessidade de repasse. Quando o consumo é alto, e as empresas precisam repor estoques rapidamente, o efeito é imediato. Mas hoje, as pessoas já não estão comprando, se o fabricante repassar esse custo, aí é que não vende mesmo — explica Luís Otávio Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil.

Presidente do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam), Wilson Périco, diz que, por usarem muitos insumos importados, os fabricantes de eletroeletrônicos e de motos estão com os custos pressionados e devem repassar as altas:

— Na produção de televisores, por exemplo, 80% são componentes importados. No caso das motos, 70%. Claro que não será o aumento integral do dólar e deve acontecer em dois ou três meses, depende do estoque de cada empresa. O que é certo é que isso vai diminuir o ímpeto do consumidor.

VENDAS EM QUEDA

Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de produtos eletroeletrônicos (Eletros), confirma a expectativa. Ele lembra que, no primeiro semestre, as vendas de fogões, refrigeradores e máquinas de lavar caíram 10%, passando de 8,34 milhões de unidades de janeiro a junho de 2014 para 7,47 milhões este ano. Já no segmento de micro-ondas, a retração foi de 16%, e, no de televisores, de 37%.

— Assim que os custos com os insumos aumentarem, será repassado. Se já estava difícil, vai ficar mais complicado. A alta do dólar vai refletir, com toda certeza, nas vendas do fim do ano — lamenta.

De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o segmento amarga estoques indesejados durante todo o ano. O índice de estoques efetivos em relação ao planejado chegou a 52,3 pontos em julho, e, pela metodologia da pesquisa, taxa acima de 50 revela excesso de estoques. O problema é maior nas grandes empresas, em que o indicador ficou em 56,3 pontos. Em janeiro, era 53,5.

Humberto Barbato, presidente da Abinee (Associação Brasileira das Indústrias Elétricas e Eletrônicas), também prevê repasses ao longo do tempo, em função dos níveis de estoques.

— Quem tiver mais fôlego vai mais longe. O setor tem concorrência acirrada, e esse fator será considerado na hora de definir preços — diz Barbato.

‘SENSAÇÃO DE AGRAVAMENTO’

O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, explica que o peso da alta do dólar no IPCA, índice oficial de inflação, é pequeno, porque atinge poucos itens diretamente. Mas causa uma sensação de descontrole que pode influenciar preços:

— A inflação não deve sair dessa média de 9,5% (no acumulado de 12 meses). Mas a alta do câmbio cria a sensação de agravamento da crise, e, por isso, algo pode ser repassado para os preços. A indústria e o comércio se sentem pressionados mais pela sensação de descontrole, de não saber como será lá na frente, do que pelo aumento dos custos.

Fonte: Folha  de S.Paulo