A questão do custeio da Previdência Social tem merecido numerosos estudos e propostas de economistas, juristas, jornalistas, contadores e outros, os quais, de modo geral, fundamentam-se na conclusão – irreparável – de que a despesa com o pagamento de aposentadorias e pensões supera, cada vez mais, a receita das contribuições pagas por empregadores e empregados.

Daí a chamada “bomba da Previdência”. Muitas sugestões têm sido apresentadas, seja para elevar a receita, seja para reduzir a despesa.

Entre as primeiras figuram a revogação da isenção das entidades beneficentes de assistência social (Constituição federal, artigo 195, parágrafo 7.º) e do tratamento excepcional dispensado a exportadores, produtores rurais e outros. Para a redução da despesa tem sido sugerida a elevação da idade mínima para a aposentadoria e a equiparação no tratamento entre homens e mulheres. Outra medida reiteradamente proposta é a separação – anunciada em 2008 pelo então ministro da Previdência Social, mas não concretizada – entre as contas da previdência urbana , de caráter previdenciário e ainda superavitária, e as da previdência rural, de caráter assistencialista e altamente deficitária (a Constituição incluiu na Previdência 6 milhões de trabalhadores rurais que nunca contribuíram para o sistema).

Medida indispensável para o transparência das contas da Previdência é a implementação do Fundo do Regime Geral da Previdência Social – previsto no artigo 250 da Carta Magna –, a fim de “assegurar recursos para o pagamento dos benefícios” (aposentadorias e pensões). A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101, de 4/5/2000), em seu artigo 68, declarou criado o fundo , “vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, com a finalidade de prover recursos para o pagamento dos benefícios do regime geral da previdência social”, destacando-se como fontes de recursos “os bens móveis e imóveis, valores e rendas do INSS não utilizados na operacionalidade deste” (bens dos extintos IAPC, Iapi, Iapetec, etc.); a receita das contribuições sociais dos empregadores e dos trabalhadores (que permanecem na conta do Tesouro Nacional, sem render um centavo para a Previdência); o resultado da aplicação financeira de seus ativos (como fazem, com sucesso, os fundos de previdência privada); e os recursos provenientes do Orçamento da União (o produto da Cofins e da CSLL). A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) atribui ao INSS a gestão do fundo.

Assim, é incompreensível a omissão do governo em dar cumprimento à LRF e implementar o referido fundo, como também causa surpresa a ausência de qualquer providência do zeloso Tribunal de Contas da União.

A questão central quanto ao custeio da Previdência Social é o desconhecimento generalizado de uma norma substancial da Constituição: a Previdência Social no Brasil não é custeada tão somente por empregadores e empregados, mas também – e este é o ponto de importância fundamental – por “toda a sociedade”. Com efeito, o citado artigo 195 da Constituição preceitua que “a seguridade social (abrangendo a previdência, a assistência social e as ações na área da saúde) será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios” (estes relativamente a seus servidores) e das “contribuições sociais”. Acrescenta o artigo 195 que a seguridade social será financiada não só com os recursos provenientes das contribuições dos empregadores e dos empregados, mas também – o que muitos ignoram – com recursos provenientes da receita da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), pagas pelo empregador, pela empresa e pela entidade a ela equiparada.

Resumindo: quem custeia a Previdência Social (Regime Geral) são 1) os empregadores (contribuição sobre a folha de salários), 2) os trabalhadores (contribuição sobre os salários) e 3) toda a sociedade (Cofins e CSLL pagas pelo empresariado, mas economicamente suportadas por todos). Esse encargo atribuído à sociedade se coaduna com um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, qual seja, a erradicação da miséria e da marginalização (Constituição, artigo 3.º, III), visando à redução das desigualdades sociais que afetam a harmonia social referida no preâmbulo de nossa Carta.

Em outras palavras: a Previdência Social, no Brasil, não é somente instrumento de seguro social (aposentadorias e pensões), mas também instrumento (inadequado, é verdade) de erradicação da miséria.

No recente Decreto n.º 8.676, de 19/2/2016, que trata da programação financeira do Poder Executivo para 2016, consta a estimativa de um déficit de R$ 130 bilhões para a Previdência Social urbana e rural (arrecadação de R$ 366 bilhões e despesa de R$ 496 bilhões). No mesmo ato são estimadas as receitas de R$ 222 bilhões para a Cofins e R$ 67 bilhões para a CSLL, no total de R$ 289 bilhões, suficientes para “cobrir” o “déficit” da Previdência Social e atender às despesas com a assistência social (em parte embutida na despesa da Previdência) e com as ações federais na área da saúde, umas e outras atendidas, também, com a receita proveniente dos tributos federais.

Em tais condições, não há hipótese de “explosão” nas contas da Previdência Social, o que não afasta a necessidade de redução da despesa com os benefícios previdenciários (aposentadorias e pensões) e elevação da receita mediante a eliminação de privilégios. O essencial, no entanto, é a obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, a implementação do Fundo do Regime Geral, o que pode ser concretizado por uma simples medida provisória.

*Cid Heraclito de Queiroz é ex-procurador-geral da Fazenda Nacional, foi um dos autores do anteprojeto da Lei de Responsabilidade Fiscal