O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o Ministério do Meio Ambiente e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) lançaram hoje (28) um projeto para elaboração de um inventário das fontes e emissões de mercúrio no país.
O objetivo é ter uma base de dados precisa para promover medidas para redução e eliminação do metal nessas fontes, minimizando riscos de contaminação do meio ambiente e protegendo a saúde humana.
“Quando temos um rastreio claro de onde está sendo utilizado podemos prescrever que a destinação desses produtos, quando eles se tornarem resíduos, seja feita de forma ambientalmente adequada para impedir que a população tenha contato com substância que é tão tóxica”, disse a diretora de Qualidade Ambiental do ministério, Letícia de Carvalho.
O projeto Desenvolvimento da Avaliação Inicial da Convenção de Minamata sobre Mercúrio no Brasil ocorre nos marcos da Convenção de Minamata, das Nações Unidas, assinada pelo Brasil em 2013. O acordo tem 128 signatários e 12 ratificações – para entrar em vigor, são necessárias 50. A mensagem de ratificação da convenção pelo Brasil (MSC 355/2014) está em tramitação no Congresso Nacional e o projeto pretende subsidiar esse processo.
O Brasil não tem fontes naturais de mercúrio, mas Letícia explica que ele é usado em vários processos produtivos e em produtos fabricados no país. Segundo Letícia, a convenção listou setores específicos que estão obrigados a estabelecer certas medidas de controle, que são as termelétricas, caldeiras de usinas movidas a carvão mineral, produção de metais não ferrosos e de cimento clínquer e incineração de resíduos.
“Esses não são os únicos setores que emitem.Há outros, como os de produção de óleo e gás, que também são emissores e não têm obrigações perante a convenção, mas isso não os isenta de estabelecer as melhores medidas de gestão. A metodologia do Pnuma e a própria convenção preconizam que cada país identifique quais os setores de fato são relevantes e precisam de mais atenção para controle e redução de emissões ou aqueles que podem resultar na maior exposição da população ou dos trabalhadores”, ressaltou Letícia.
A representante do Pnuma no Brasil, Denise Hamú, disse acreditar que países mais desenvolvidos tenham mais emissões de mercúrio, mas destacou “que o Brasil, por ser o país que é, emergente e com uma oferta enorme de recursos naturais, tem possibilidade de apresentar números grandiosos, assim como soluções importantes”. “O Pnuma tem interesse que o Brasil seja protagonista desse processo.”
Segundo Denise, o Brasil tem apenas dados de base secundária, de pesquisas e publicações, e esta é a primeira vez que se vai a campo de forma coordenada para registrar emissões e liberações significativas de mercúrio. “E há um diálogo bastantes estreito com o setor produtivo brasileiro para que as medidas que forem estabelecidas sejam pactuadas em conjunto.”
De acordo com informações do Pnuma, as emissões de mercúrio no Brasil para a atmosfera são cerca de 50 toneladas ao ano. Entretanto, não há dados sobre as liberações para a água e a terra. E, apesar das importações de mercúrio metálico estarem caindo, o ministério diz que as importações de produtos que contêm mercúrio, como lâmpadas e equipamentos de medição, vem aumentando. Conforme o Ministério do Meio Ambiente, em 2000 foram importadas 80 toneladas de mercúrio metálico, enquanto em 2010 foram 13 toneladas.
O projeto tem prazo de dois anos de duração, ao custo total de US$ 2,5 milhões, sendo US$ 820 mil do GEF.
O nome da Convenção de Minamata lembra o maior acidente de mercúrio do mundo, na Baía de Minamata, no Japão, onde uma empresa despejou toneladas de resíduos do metal e dezenas de pessoas que se alimentaram de peixes contaminados morreram e centenas adquiriram deficiências físicas permanentes.
A toxicidade do mercúrio varia de acordo com a forma química, a concentração, a via de exposição e a vulnerabilidade do indivíduo exposto. Exposição em níveis elevados pode afetar o cérebro, o coração, os rins e pulmões e o sistema imunológico dos seres humanos.
O presidente da Associação dos Expostos e Intoxicados por Mercúrio Metálico, Valdivino dos Santos Rocha, disse que o projeto é positivo, mas está longe de resolver os problemas. “A redução das emissões melhora [a condição dos trabalhadores], mas, depois de 20 ou 30 anos, os problemas de saúde vão aparecer porque o mercúrio é cumulativo. O problema só se resolve se se eliminar de vez seu uso. Trabalhamos para acolher esses trabalhadores e encaminhar para o serviço de saúde, porque o diagnóstico não é fácil sem um protocolo”, disse.
Rocha trabalhou durante seis anos em uma fábrica de lâmpadas e há 20 anos foi aposentado por causa dos impactos da exposição à fumaça das caldeiras. Ele teve problemas de raciocínio, pressão alta, perda de dentes e problema crônico nos rins. “Sabíamos que fazia mal porque todo leigo sabe que mercúrio faz mal à saúde, mas não tínhamos noção da gravidade. Faltou orientação da empresa, porque eles também sabiam”, ressaltou.