Crise aumenta a procura de clientes para refinanciar empréstimos com desconto em folha

Com alta da inflação e consequente aperto no orçamento das famílias, órgãos públicos têm negociado com as instituições financeiras o aumento dos prazos e dos limites para o crédito consignado de servidores, aposentados e pensionistas. Neste tipo de empréstimo, o pagamento das prestações é descontado diretamente no contracheque do devedor. O movimento mais recente foi da Prefeitura do Rio, que acaba de elevar de seis para dez anos o prazo máximo dos contratos. O governo do Estado de São Paulo, o INSS e o Ministério do Planejamento — que cuida dos empréstimos do Executivo federal — também fizeram mudanças recentemente.

Ao mesmo tempo, tem aumentado a procura dos clientes aos bancos para refinanciar seus empréstimos consignados, relatam algumas instituições. O principal motivo é conseguir mais recursos, a chamada “troca com troco”, ou seja, a pessoa toma um novo empréstimo de valor mais alto, quita o antigo e fica com a diferença. Mas também há relatos de quem quer alongar o prazo para reduzir a parcela e, assim, aliviar o orçamento doméstico.

Presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC) — que reúne bancos médios e pequenos—, Manoel Felix Cintra Neto ressalta que o pedido de alongamento de prazos tem sido prática recorrente nos convênios entre órgãos públicos e instituições financeiras responsáveis pela concessão de crédito consignado. Dos convênios em que a ABBC participa com cooperação técnica, ele estima que cerca de 50% dos contratos foram renegociados para ampliar prazo de pagamento. A associação não divulga o número de contratos.

— Em função da situação econômica que vivemos, estão ocorrendo muitos pedidos para aumentar o prazo e também há negociações para elevar a margem do consignado (limite da renda que pode ser comprometida com as prestações). São vários fatores, mas em geral é o orçamento que está mais apertado. A inflação aumentou e os salários não acompanharam — diz.

JUROS MAIORES

Na Prefeitura do Rio, a mudança afetou não apenas o prazo de pagamento, que passou para dez anos, como a taxa de juros, que também avançou. O limite para o juro mensal subiu de 2% para 3%. Segundo o secretário municipal de Administração, Marcelo Queiroz, a taxa de juros estava defasada e os bancos não estavam mais oferecendo esta modalidade de crédito:

— A taxa de juros estava praticamente inviabilizando o consignado no Rio. Mesmo com o aumento, o juro ainda é mais baixo que o dos outros tipos de crédito. O aumento do prazo é mais polêmico, porque a pessoa acaba pagando mais ao fim do prazo, mas ao mesmo tempo permite diluir a parcela de quem está com o orçamento mais apertado.

Para se ter uma ideia, a taxa média do juro no crédito com desconto em folha de pagamento foi de 28,4% ao ano em novembro, enquanto no crédito pessoal foi de 120,4% e no cheque especial, de 284,8%. A taxa mais baixa reflete a segurança maior para os bancos — o desconto em folha praticamente elimina o risco de calote.

O governo do Estado de São Paulo, por sua vez, ampliou, em setembro, de 60 para 96 o número máximo de parcelas do empréstimo consignado, ou seja, de cinco para oito anos, e elevou de 30% para 40% a parcela do rendimento comprometida com esse crédito. Na época, o governador Geraldo Alckmin justificou a decisão explicando que isso permitiria que os funcionários trocassem dívidas mais caras, como do cartão de crédito e do cheque especial, pelo consignado, com juros menores.

Em outubro, também aumentou de 30% para 35% o limite da renda dos servidores federais do Poder Executivo que pode ser comprometido com o consignado, segundo o Ministério do Planejamento. Uma parcela de 5% é exclusiva para gastos com cartão de crédito consignado. O INSS já tinha feito essa mudança em agosto.

Em 2014, o prazo máximo de parcelamento para o Executivo federal tinha sido ampliado de 60 para 96 meses. No INSS, o aumento foi de 60 para 72 parcelas.

Se há tendência entre os gestores de órgãos públicos de negociar mais prazos e limites, os próprios tomadores dos empréstimos também estão buscando as instituições financeiras para renogociar a dívida.

— Notamos maior procura por refinanciamento. A maioria quer conseguir mais recursos, mas há também quem precisa de parcela menor para aliviar o orçamento. No passado, as pessoas refinanciavam para consumir mais. Agora, é para ajustar o orçamento — explica o diretor de Consignado do Santander, Eduardo Jurcevic.

São pessoas como o aposentado Edilton Ferreira Lima, de 76 anos, que tem 10% da renda comprometida com empréstimos consignados. O primeiro que tomou, há alguns anos, foi para comprar uma geladeira, mas agora a situação mudou. No ano passado, refinanciou a dívida para arcar com gastos mensais, como condomínio e medicamentos. Agora, ia tentar nova renegociação, mas acabou pegando empréstimo que antecipa o pagamento do décimo terceiro salário.

— Com a volta da inflação, as coisas ficaram mais caras e a parcela do consignado começou a pesar mais. Isso vira uma bola de neve — conta ele.

O superintendente nacional de Estratégia para pessoa física da Caixa, Jeyson Leyser Cordeiro, também aponta movimento de aumento do prazo máximo de contratação do crédito consignado nos convênios com entidades públicas. Na Caixa, a tendência também é a renovação dos contratos para garantir novos recursos, a chamada “troca com troco”.

NÃO É MELHOR OPÇÃO

No Itaú Unibanco, o que se percebeu recentemente foi a troca de crédito pessoal para o consignado. Segundo o diretor de consignado, Ricardo Botelho, essa migração é incentivada pelo banco. A estratégia também é adotada pelo Santander.

Bradesco e Banco do Brasil, no entanto, informaram não ter registro de aumento significativo do número de clientes que buscam refinanciar empréstimos consignados.

O diretor de empréstimos e financiamentos do BB, Edmar Casalatina, explica que cerca de 70% da carteira já são de contratos refinanciados. Mas concorda que há movimento recente de entidades públicas de rever as condições dos empréstimos:

— A principal explicação é que isso permite a troca de dívidas mais caras, como cheque especial e cartão de crédito, por uma mais barata.

Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), alerta que o alongamento dos prazos não é a melhor opção.

— Quanto mais prazo, mais juro se paga. Nossa recomendação é sempre escolher o menor prazo. Só que num ambiente de queda da renda das famílias e aumento da inflação, muitas vezes não é escolha, é necessidade.

Os dados do Banco Central também refletem essas mudanças nos prazos. Em novembro, o prazo médio das operações de consignado para pessoa física foi de 70,5 meses, maior que os 69,4 meses de outubro. No trimestre, o aumento do prazo foi de 2,4%, já que em agosto a média era 68,1 meses.

— As pessoas vinham pagando normalmente o consignado, mas, com a inflação, o compromisso acaba pesando e procuram o banco para alongar o prazo. O número mostra a tendência — diz Oliveira.