Prática criminosa ainda é encontrada no Brasil – tanto no campo, quanto em grandes capitais – e afeta, principalmente, a população mais pobre e de baixa instrução, inclusive de estrangeiros

O investimento do governo federal para combater o trabalho análogo ao escravo cresceu 53,4% entre janeiro e junho, na comparação com igual período do ano passado.

Em 2017, R$ 1,049 milhão foi destinado para 42 operações em que foram fiscalizadas empresas rurais e urbanas, de acordo com informações do Ministério do Trabalho. Mas, na opinião de especialista consultado pelo DCI, o gasto é muito pequeno para coibir essa prática.

“O trabalho escravo é muito difundido no País, inclusive em áreas distantes e pouco acessíveis. Por isso, essa quantia usada pelo governo é insuficiente para combater o problema e reflete o desinteresse das classes dirigentes em fazer com que essa questão seja resolvida”, afirma Roberto Piscitelli, professor de economia da Universidade de Brasília (UNB).

Segundo dados do Portal da Transparência, esse investimento aparece entre os menos expressivos da União neste ano. Foi menor, por exemplo, que as despesas com premiações culturais, artísticas, científicas e desportivas, que já alcançaram R$ 1,658 milhão.

Professora de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Juliana Bracks diz que o trabalho análogo ao escravo é um problema grave, que ocorre em maior frequência do que a população imagina. “Vemos brasileiros e estrangeiros nessa situação, que acontece tanto no interior do País quanto nas grandes capitais”, afirma ela.

Exemplo disso é a jornada de trabalho de 34 horas seguidas a que eram submetidos motoristas de caminhão de uma empresa de logística. A companhia foi condenada a pagar R$ 15 milhões após ação realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em conjunto com a Polícia Rodoviária Estadual, no Estado de São Paulo, o mais rico da federação brasileira.

Ao proferir a sentença, a juíza Ana Lúcia Castanho Ferreira indicou que “a prática de jornadas exaustivas, tal como constatada nos presentes autos, pode, sim, configurar o labor em condição análoga à de escravo, sendo desnecessária a existência de privação da liberdade de ir e vir”.

A restrição da liberdade, entretanto, também é praticada por empregadores. Segundo o Ministério do Trabalho, 1.111 pessoas foram libertadas, em 2015, após operações pelo País. Números ainda maiores foram registrados em 2007 (5.999) e 2003 (5.223).

Entre as vítimas dessa pratica, são encontrados trabalhadores pobres e de baixa instrução, muitas vezes estrangeiros trazidos para o Brasil ilegalmente. Para Piscitelli, o problema tem raízes históricas. “Fomos o último País ocidental a acabar com a escravidão formal, mas muitos vínculos de trabalho semelhantes se mantiveram durante o tempo”, aponta o especialista.

Mudanças na lei

Quando trabalhadores em condição análoga à de escravo são encontrados em uma companhia terceirizada, torna-se necessário provar o conhecimento da empresa contratante para que esta também seja punida pelo crime, explica Ana Lúcia. Contudo, segue ela, nem sempre essa correlação acontece, o que impede a sanção das companhias maiores.

“A legislação atual possui elementos punitivos, mas talvez seja necessário endurecer as penas”, diz ela. Uma das formas de tornar as regras mais rígidas seria ampliar a responsabilidade da empresa que contrata a terceirizada.

Os entrevistados também questionam as reformas na legislação que são estudadas no Legislativo. Sobre as mudanças na lei do trabalho rural, Piscitelli afirma que poderiam ser criadas condições legais para que ocorra um quadro “próximo ao de escravidão”. No projeto inicial do deputado Nilson Leitão (PSDB), estava prevista a “remuneração de qualquer espécie” para os empregados na região rural do País.

Em relação à reforma na CLT, Ana Lúcia afirma que as alterações que tramitam no Senado trazem “novidades positivas”, mas questiona parte da flexibilização das normas atuais. “Será que os trabalhadores brasileiros têm poder de barganha suficiente para se impor em negociações diretas com os patrões?” Na nova lei, o acordado entre funcionários e empregadores deve prevalecer sobre a legislação em diversos pontos, como a duração da jornada de trabalho.

Números

Se a quantidade de operações do Ministério do Trabalho não aumentar nos próximos meses, o número total dessas intervenções continuará em patamar baixo na comparação com o resto da série histórica. Depois de ser visto um pico de 299 ações em 2013, as operações diminuíram em 2014 (170) e 2015 (171).

Com isso, recuou a quantia de autos de infração em inspeções de combate ao trabalho análogo à escravidão. Em 2013, foram 4.327 termos, contra 3.882 em 2014, e 2.946 em 2015. A quantidade de estabelecimentos periciados também caiu. Foram 300 em 2013, 283 em 2014 e 273 em 2015. Mais dados sobre trabalho escravo estão disponíveis no site da ONG Repórter Brasil.

 

Fonte: DCI