Setor discute em Brasília o risco de prejuízo gigantesco por causa das medidas de ajuste fiscal
A indústria química nacional está diante da ameaça concreta de perder R$ 8 bilhões em investimentos, mais de 20 mil vagas de emprego e programas de incentivo à produção.
Esses efeitos da crise sobre o setor serão debatidos nesta sexta-feira (13) em Brasília pela Frente Parlamentar da Química, por gestores municipais e por representantes de entidades, a exemplo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).
De acordo com a entidade, o pacote de ajustes anunciado pelos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, atinge em cheio a competitividade da indústria química brasileira e pode até mesmo levar ao fechamento de mais plantas produtivas.
Em especial, é criticada a redução em 50% dos incentivos fiscais do Regime Especial da Indústria Química (REIQ) já em 2016 e a extinção no ano seguinte. A Abiquim lembra que, no período de 1990 a 2012, já foram fechadas 1.710 unidades industriais, e consequentemente 447 produtos deixaram de ser fabricados no País. Um exemplo dessa situação é o segmento de especialidade química, que é justamente aquele que agrega maior valor.
Segundo o Sindicato dos Químicos, o setor tem 700 mil postos de trabalho em todo o País, e apenas na região do Grande ABC (São Paulo), onde está instalado um pólo petroquímico, já foram fechadas mais de 2 mil funções.
Nafta
A agenda do encontro está relacionada também ao impasse envolvendo os contratos de fornecimento entre a Petrobras e a Braskem, empresa petroquímica brasileira controlada pela Odebrecht.
Dados apresentados pela Frente Parlamentar apontam que cerca de R$ 8 bilhões em investimentos estão represados devido ao impasse entre a estatal e a empresa.
Somado a isso, os números e o imbróglio contratual assustam investidores estrangeiros e ainda ampliam o déficit da balança comercial do setor.
Esses contratos entre a Petrobras e a Braskem envolvem o fornecimento à estatal da matéria-prima de nafta petroquímica – derivado de petróleo utilizado principalmente na indústria petroquímica para a produção de eteno e propeno, compostos largamente utilizados na indústria.
As duas empresas buscam um acordo financeiro que suporte um contrato de longo prazo (no mínimo 15 anos), mas há divergências em relação aos valores que serão registrados.
A estatal quer estabelecer preços de mercado ao contrato, enquanto a indústria reclama da pouca competitividade da produção nacional, em comparação com o setor nos Estados Unidos da América, hoje beneficiado pelos baixos preços do gás natural no País.
Todavia, segundo a Abiquim, tanto os preços da nafta petroquímica como os do gás natural do Brasil são comparados com valores verificados na Europa, menos forte em relação à produção de química e petróleo. Os números não competem com aqueles observados em localidades com indústria forte.
Além disso, o último contrato firmado entre as empresas acompanhava as movimentações no preço do petróleo e corrigia os valores com a banda Ara (Amsterdã-Roterdã-Antuerpia). Ou seja, se o custo fosse considerado muito alto, o preço do nafta ficava abaixo de 100% do preço da banda Ara, e se o valor do petróleo ficasse muito baixo, o do nafta subia para acima de 100% da Ara.
Agora, o setor pede que a diferença de valores seja completamente repassada para o setor de combustíveis.
Produção interna
Segundo o presidente da Frente Parlamentar, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), o principal problema é, de fato, a falta de um acordo estável de preços que consiga atrair investimentos e promover a produção interna.
“Nós precisamos produzir a matéria-prima [nafta] e regular os preços para aumentar a exportação. Só que boa parte dos investimentos que podem levar a este cenário aguardam a definição do contrato”, disse ao DCI.
Para o parlamentar, a Petrobras é a principal responsável pelo contexto vivido no setor. A empresa mantém o monopólio da matéria-prima e é sócia dos pólos petroquímicos do País.
“A Petrobras tem que estabelecer uma relação de parceiro com o setor, não de cliente. Em qualquer lugar do mundo com uma indústria petroquímica forte o processo é assim junto às petroleiras”, concluiu o deputado.
No final de outubro, a Petrobras divulgou nota para afirmar que “seus órgãos competentes apreciarão as condições para a celebração de novos aditivos aos contratos de nafta com a Braskem, viabilizando a manutenção do fornecimento durante as negociações de um contrato de longo prazo”.
A estatal informou que mantém tratativas com a Braskem há mais de dois anos, “buscando uma solução equilibrada e comutativa para ambas as companhias”.
Petrobras e Braskem fazem renovações periódicas do acordo de fornecimento. Em 27 de fevereiro, as empresas assinaram um aditivo com duração de seis meses, com intermediação do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga. No final de agosto houve nova prorrogação, até 31 de outubro, e depois o prazo ainda foi dilatado por mais 45 dias.
Em fevereiro, o MME anunciava a formação de um grupo de trabalho com o objetivo de assegurar que as companhias atingissem “as bases para estruturar o suprimento continuado de matéria-prima”.
Etanol
O presidente da Abiquim, Fernando Figueiredo, afirmou que os problemas começaram com a decisão do governo federal de aumentar o etanol presente na gasolina, demandando mais nafta no processo de preparo da mistura.
A Petrobrás passou então a importar mais nafta, buscando repassar os custos para a indústria petroquímica.
Fernando teme, principalmente, a interrupção dos investimentos no setor.
“Agora, o custo da matéria prima é o principal desafio do setor, ao lado do preço da energia elétrica, que custa de 30% a 40% do preço nos Estados Unidos”, disse.
“E nós precisamos de competitividade, de participação. E na questão da matéria prima nós não estamos conseguindo fazer um contrato de longo prazo. Ninguém vai investir em contratos menores e em valores dessa altura”, completou.
O executivo também comentou que o setor enfrenta problemas em relação ao valor do gás natural.
“As empresas que fabricam produtos tendo o gás como matéria prima estão definhando. Hoje, operam com 40% de capacidade ociosa. Isso não tem sustentação a longo prazo”, acrescentou.
Os problemas são vinculados, segundo Figueiredo, à gestão do governo federal, que poderia apoiar melhor o setor com políticas voltadas para o aumento da produtividade.
“O governo não tem pensado muito no setor. Temos tudo para nos tornarmos grandes produtores de gás e produtos químicos. Hoje, se você vende um barril de petróleo por 50, a mesma quantidade de produtos químicos sai por 300”, comparou o presidente.