Mudança ocorreu em outubro e surpreendeu quem buscou benefício nos últimos meses

Há 15 anos, o analista de sistemas Marcello Bernard precisou abrir uma empresa para ter um CNPJ e poder prestar serviços na companhia para a qual trabalhava. O projeto durou pouco tempo, e registro foi abandonado em 2004, porém nunca cancelado. O breve período no mercado como pessoa jurídica impediu Bernard — que voltou a trabalhar com carteira assinada e foi demitido ano passado — de receber o seguro-desemprego. Isso porque, em decisão recente, o Ministério do Trabalho passou a negar o benefício para quem possui alguma empresa, mesmo que esteja inativa e não tenha faturamento.
Sem chão. Depois de perder o emprego, Marcelo descobriu que não receberia o seguro – Custódio Coimbra / Custódio Coimbra

A regra entrou em vigor em 24 de outubro de 2015, quando, sem alarde, o governo começou a cruzar os dados de quem pedia o benefício trabalhista com informações da Receita Federal. Quando encontra casos como o de Bernard, o órgão indefere imediatamente o benefício, que varia de três a cinco parcelas de até R$ 1.542,24.

NEM DECLARAÇÃO DA RECEITA ADIANTA

Uma vez negado o pagamento do seguro, o trabalhador tem pouco a fazer. Nos postos de atendimento, funcionários informam que a baixa do CNPJ deve ser feita antes da demissão para ser considerada válida. Ou seja, mesmo que feche oficialmente sua empresa, o desempregado não vai receber o dinheiro do seguro. A alternativa seria a entrega da Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica (DSPJ) Inativa, obtida na Receita Federal, que comprova que uma empresa não emitiu notas fiscais durante um ano, ou seja, não gerou nenhuma renda. A apresentação do documento, no entanto, também deixou de ser aceita desde dezembro, por recomendação interna, informa o Ministério do Trabalho.

— Eles disseram que havia uma instrução, uma norma, que diz que agora eles não aceitam se você ficou desempregado antes de ter fechado a empresa. Então o que me resta? Minha única opção é o Judiciário — disse Bernard, que também é advogado e estuda entrar com uma ação contra o governo.

Enquanto o dinheiro do benefício não chega, o analista terá que se virar. Só de pensão alimentícia, ele desembolsa R$ 1,2 mil por mês. Com as economias se esgotando, ele tinha apenas R$ 1 mil para viver, enquanto tenta solucionar o problema:

— Fiquei sem chão, não sei mais o que fazer — lamenta.

Silvia Monteiro também ficou com o orçamento apertado desde que teve seu pedido de auxílio negado, em novembro passado. Ela foi surpreendida ao ver que os dois registros de CNPJ que tem, e nos quais não mexe há pelo menos cinco anos, lhe custaram o seguro-desemprego. Situações como a dela são muito comuns entre profissionais que se veem forçados a abrir uma empresa apenas para serem contratos como prestador de serviço, ou seja, sem as garantias trabalhistas. Quando voltam a conseguir emprego com carteira assinada, a empresa é abandonada.

Silvia chegou a entrar com um recurso administrativo no Ministério no dia 27 de novembro e aguarda resposta. Ela conta que abandonou as empresas devido ao alto custo com impostos.

— Não consegui fechar oficialmente por causa de dívidas com impostos. Algo incalculável. Muito alto — resume.

O corte no acesso ao seguro-desemprego ocorre em meio ao esforço do governo para equilibrar contas públicas. No início de 2015, foram aprovadas outras medidas para restringir o pagamento do auxílio.

O Ministério do Trabalho informou, em nota, que a mudança segue recomendação da Controladoria Geral da União (CGU) para evitar pagamentos indevidos. De acordo com a nota, quem discordar da decisão, deve procurar a Receita Federal ou a Junta Comercial “para que haja a devida retificação dos dados”. O ministério, porém, não informou quantas pessoas estão contestando a nova medida. No ano passado, houve 22.890 pedidos de seguro-desemprego de pessoas com vínculo a algum CNPJ e, segundo a pasta, não há como saber quantos são legítimos e quantos são fraudes.

LEI NÃO CITA CNPJ

A base para a restrição é a lei do seguro-desemprego, de 1990, que diz que o beneficiário do seguro não pode ter renda própria. Com base nessa regra, o governo argumenta que “não tem mecanismos e competência para atestar que, apesar de formalmente ativa, determinada empresa esteve inativa na prática”.

Para advogados, a validade da decisão depende da interpretação da lei, que não faz menção específica ao vínculo a CNPJ.

— A lei sempre existiu, as condições sempre estiveram aí, só que em caso de arrocho, ela está sendo interpretada da maneira literal — avalia Williane Ibiapina, sócia do setor trabalhista do Siqueira Castro Advogados.

A advogada destaca que partir para a judicialização é uma opção, mas não significa garantia de sucesso:

— O direito de entrar com uma ação é assegurado pela Constituição. Mas também é uma questão de interpretação do juiz. Pode ser que ele diga que você não tem renda até então, mas tem um CNPJ, então pode ter meios para se sustentar. Mas isso seria esticar demais o estilingue, num termo popular.

Já o advogado Rodrigo Costa, também do setor trabalhista, recomenda o mandado de segurança:

— Renda é diferente de atividade, pois uma atividade pode ou não gerar renda, portanto, o trabalhador não poderá ser privado de receber as parcelas as quais tem direito por possuir um CNPJ que não gera renda.