Crise política e incerteza fiscal fazem proteção contra calote brasileiro disparar. Temor de investidores prejudica empresas que precisam se financiar e deve aprofundar mais a contração econômica
Dúvidas sobre o futuro do governo Dilma, dificuldades no controle das contas públicas e crise global fizeram o dólar superar os R$ 4, pela primeira vez na história do real, e elevaram os juros.
A perspectiva de que os EUA atraiam investimentos que hoje estão em países emergentes também influiu. Das 24 principais moedas emergentes do mundo, 23 se desvalorizaram ontem (só Hong Kong ficou estável).
No Brasil, o dólar à vista, referência no mercado financeiro, subiu R$ 1,58%, e o comercial, 1,80%, ambos para R$ 4,054. É o maior valor nominal da história, mas, corrigidos pela inflação, R$ 4 na época em que o real foi criado seriam hoje R$ 12,75.
AVERSÃO AO RISCO
O câmbio não é o único sinal da maior percepção de risco em relação ao Brasil. O CDS (“credit default swaps”) brasileiro, espécie de seguro para se proteger de um calote em títulos da dívida do país, disparou: fechou a 465 pontos, alta de 8%.
Considerando apenas esse parâmetro, o Brasil seria o quinto país mais arriscado do mundo para investir, atrás só de Venezuela, Grécia, Ucrânia e Paquistão, que atravessam graves crises políticas e econômicas –a Argentina, que é avaliada como “pré-calote”, está fora da relação.
Desde o início deste ano, o indicador, o mais usado no mercado financeiro para medir a percepção de risco, mais que dobrou. Em janeiro, estava em torno de 200 pontos.
Apesar de o risco brasileiro ter ultrapassado o de países como a Rússia, ele ainda está longe de sua máxima histórica: mais de 3.500 pontos em 2002, às vésperas da eleição presidencial.
Neste semestre, a pressão sobre o mercado financeiro tem crescido. Indicadores indicam que a economia do país deve encolher em 2015 e 2016 mais que o previsto, e o envio pelo governo de um Orçamento prevendo deficit no próximo ano aumentou os temores de investidores.
Quanto maior o risco percebido por eles, maiores têm que ser os juros para atraí-los. A insegurança também aumenta a procura por dólares, o que eleva a cotação.
Com a rota ascendente da dívida pública brasileira em proporção do PIB, o Brasil corre o risco de perder o grau de investimento –selo de bom pagador– em outras agências de risco além da Standard & Poors, que rebaixou o país neste mês (leia na pág A6). A nota pior tende a elevar ainda mais os juros cobrados por credores e fará com que grandes investidores deixem o Brasil, encarecendo mais o dólar.
CURVA DE JUROS
As taxas de juros futuros negociadas na BM&FBovespa voltaram a subir nesta terça, o que indica que empresas brasileiras terão mais dificuldade –ou pagarão mais caro– para se financiar.
O contrato de DI para janeiro de 2021, por exemplo apontou taxa de 16,140%, ante 15,810% na sessão anterior. O Ibovespa recuou 0,70%, para 46.264 pontos.
“Na prática, isso pode levar a uma queda do PIB maior em 2015 e 2016”, diz Fábio Silveira, diretor de pesquisa da GO Associados.
“Enquanto não houver solução política, os efeitos da política econômica ficarão muito limitados”, diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. “Os preços dos ativos precisam de âncoras. Neste momento, não temos nenhuma.”
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, diz que o risco cresce porque há uma “perspectiva de crise sem fim”.