A política de reajustes reais do salário mínimo em vigor desde 2007, combinada ao efeito da recessão sobre a renda dos trabalhadores, deve reduzir um pouco mais a distância entre o piso nacional e o rendimento médio dos ocupados. Nos cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o mínimo equivalia a 45% da renda média nacional em 2015, proporção que deve subir para 47% neste ano e alcançar 48% em 2017. A renda usada como referência foi a estimada pelo Ibre para a Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad) anual, do IBGE.

Tomando como base a comparação com a renda média, o salário mínimo brasileiro é relativamente mais elevado do que em países-membros da Organização para o Desenvolvimento e a Cooperação Econômica (OCDE), como EUA (37,4%), Japão (39%) e Canadá (44,1%), mas ainda bem abaixo do nível observado em outro grupo de economias desenvolvidas, em que se destacam França (62,8%), Nova Zelândia (59,5%) e Portugal (55,8%). Os dados mais recentes da organização são de 2013.

Com a correção de 11,68% efetuada em janeiro deste ano, o mínimo passou a R$ 880, suficiente para comprar 2,14 cestas básicas, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Essa quantidade é a maior nas médias anuais da série histórica desde 1979. Ainda segundo o Dieese, o piso atual representa o maior valor real da série desde 1983. Para fazer esse cálculo, a entidade corrigiu os valores médios anuais anteriores do mínimo pela inflação do segmento de menor renda apontada pelo Índice do Custo de Vida (ICV).

O Dieese estima que 48,3 milhões de brasileiros tenham rendimento referenciado no salário mínimo. Desses, 22,5 milhões são beneficiários da Previdência Social, 13,46 milhões são empregados, 8,16 milhões trabalham por conta própria e 3,9 milhões são trabalhadores domésticos.

O impacto positivo do aumento do poder de compra de uma fatia expressiva da população sobre o consumo, porém, tende a ser inibido por outro fator que não ocorreu nos anos anteriores, na avaliação de economistas ouvidos pelo Valor: numa conjuntura de queda da atividade econômica, a pressão de custos provocada pela correção do mínimo sobre a folha de pagamento das empresas pode agravar o avanço do desemprego já em curso.

Tiago Cabral Barreira, pesquisador do Ibre, avalia que, ao contrário do que sugere boa parte da literatura econômica, o salário mínimo não tem impactos quase nulos sobre a taxa de desocupação. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2014, observa Barreira, os trabalhadores que ganham até um mínimo e meio constituem a maior parte do mercado formal, representando 33,4% do estoque de empregos com carteira assinada.

Esse percentual é ainda mais elevado na agropecuária – atividade em que quase metade (48,1%) dos ocupados recebe 1,5 mínimo – e no comércio e nos serviços, setores intensivos em mão de obra em que essa fatia chega a 46,1% e 35,4% do total de trabalhadores, respectivamente.

“O dinamismo favorável desses setores ao longo dos últimos anos possibilitou que os aumentos reais do piso praticados pela política de reajustes pudessem ser absorvidos pelos empregadores sem que houvesse alta do desemprego na economia. É algo que não deve mais ocorrer num cenário recessivo como o atual”, afirma Barreira.

Para o economista, o avanço da formalização do mercado de trabalho brasileiro na última década também pode acentuar os efeitos da correção forte do salário mínimo sobre as demissões. A taxa de informalidade medida pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, com informações das seis principais regiões metropolitanas, caiu de 34,1% em 2003 para 19,5% em 2015, ano em que ficou quase estável em relação a 2014, apesar da queda de 3,7% esperada pelo Ibre para o Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado.

“Nesse contexto, é plausível supor que a legislação do salário mínimo poderá ter fortes efeitos sobre uma parcela maior de trabalhadores, e consequentemente, ter mais impacto sobre o desemprego formal”, disse Barreira, referindo-se à regra atual de reajuste do piso, que leva em conta a inflação do ano anterior e a variação do PIB de dois anos antes.

O aumento do mínimo terá efeito expansivo não somente sobre o contingente de desempregados, mas também na quantidade de ocupados no mercado informal, na opinião de José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista-chefe da Opus Gestão de Recursos. “O problema é que vai ser difícil separar o que vai ser impacto da queda da atividade e o que será impacto do reajuste do mínimo, tanto sobre o desemprego quanto sobre a informalidade”, diz o economista.

Segundo Camargo, ao lado do fim da desoneração da folha de pagamentos, o reajuste do piso nacional representará uma “pancada” significativa no mercado de trabalho, na medida em que vai elevar os custos das empresas e, assim, incentivar mais demissões. O avanço da desocupação, diz o economista, será maior entre trabalhadores jovens e pouco qualificados, que em sua maioria ingressam no primeiro emprego ganhando o salário mínimo.

Contrário a essa ideia, o professor João Saboia, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), argumenta que durante todo o período de vigência da política de valorização do salário mínimo, não foi observada tal relação. Em 2015, afirma Saboia, o desaquecimento do mercado de trabalho mostrou números “impressionantes”, como a destruição de 1,5 milhão de postos de trabalho formais, mas esse fenômeno pode estar relacionado apenas de forma “marginal” à pressão de custos provocado pelo reajuste do piso nacional.

“A realidade econômica mudou”, diz o economista da UFRJ. Com crescimento mais fraco da economia, os aumentos reais do salário mínimo serão cada vez menores daqui para frente. Por isso, para ele, os reajustes do piso não devem motivar demissões.

Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, ressalta que resultados de estudos acadêmicos sobre o impacto do aumento do piso nacional sobre a desocupação são inconclusivos. “O que podemos dizer é que a política de valorização do mínimo contribuiu para reduzir a desigualdade, mas seus efeitos sobre o emprego são contraditórios.”

Já Barreira, do Ibre, avalia que os reajustes do mínimo foram acompanhados de redução dos índices de pobreza e melhora da renda na última década porque o crescimento da economia permitia que as empresas absorvessem a pressão de custos. Num ano de recessão, no entanto, a atual política de correção do piso nacional será “algo problemático”, afirma ele, elevando os custos do governo e de empregadores.