Temor é que taxa de juro e recessão não deem conta de segurar preços

‘Mercado acha que o governo emitirá moeda para rolar sua dívida, o que é inflacionário’, afirma economista

A trajetória explosiva e sem solução no curto prazo para o déficit público vem sendo seguida de perto pela disparada na cotação do dólar.

O movimento tende a levar o repasse da alta da moeda norte-americana para a inflação, com reflexos negativos na popularidade da presidente Dilma Rousseff, especialmente entre os mais pobres.

Nos últimos dias, bancos e consultorias revisaram para cima as expectativas de inflação para 2016. Há apostas superiores a 7,5%, percentual maior que o teto da meta do Banco Central (6,5%).

Isso apesar da expectativa de uma recessão que pode derrubar o PIB em quase 3% neste ano e mais 1% em 2016.

O que se teme é um círculo vicioso: o deficit nominal (que inclui juros da dívida pública) sobe e pressiona o dólar (confira quadro acima).

A cotação da moeda americana encarece importados e piora a expectativa de inflação. O BC mantém ou eleva os juros para conter os preços. A dívida sobe, pressionando o dólar e a inflação.

Em tese, essa dinâmica poderia ser quebrada por uma forte recessão como a atual, provocada por expectativas negativas de consumidores e empresários e por juros altos.

O problema, segundo especialistas, é que não existe um ajuste fiscal do setor público em curso capaz de reduzir a trajetória do deficit.

Para esses analistas, Dilma não tem apoio no Congresso para aprovar sequer uma agenda fiscal mínima, quanto mais algo estrutural, com mudanças constitucionais.

O temor agora é que a taxa de juro não dê conta, sozinha, de segurar expectativas inflação de uma economia pouco competitiva como a brasileira. E com uma forte memória inflacionária, que tende a mecanismos de indexação como a cotação do dólar.

DOMINÂNCIA FISCAL

“Estamos às portas da dominância fiscal. Se não fizermos um ajuste nessa área, talvez não faça mais sentido combater a inflação só com os juros”, diz o economista Samuel Pessôa, da FGV/Ibre e colunista da Folha.

“Seguir com os juros em alta contra a inflação só piora o quadro. O mercado antecipa que o governo vai emitir moeda à frente para rolar a dívida, o que é inflacionário.”

O chamado deficit público nominal do setor público (que pressiona o dólar) inclui o que o governo gasta com os juros pagos pelo BC para financiar sua dívida.

A Selic atual, em 14,25% ao ano, custa quase R$ 500 bilhões anuais ao Tesouro –8% do PIB e 18 vezes o gasto anual do Bolsa Família).

“Como já vem ocorrendo, a deterioração fiscal no Brasil será acompanhada pela elevação do dólar, com reflexo na inflação”, diz Ramón Aracena, economista-chefe para a América Latina do IIF (Instituto de Finanças Internacionais), de Washington.

“O que falta ao país é uma âncora fiscal que corte gastos públicos e que contenha esse ciclo negativo. Não estamos vendo isso acontecer.”

Para o economista José Márcio Camargo, da PUC-RJ, muitos já pensam: “Nessa trajetória, não tem como pagar a dívida”. “Há cada vez mais gente preocupada com o risco de insolvência e considerando sair de papéis do governo e se refugiar no dólar.”

A busca pela moeda norte-americana não é necessariamente física, mas em contratos futuros referenciados em dólar e garantidos pelo BC.

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, além do câmbio, outro incentivo à inflação, apesar da recessão, é a atual regra para o reajuste do salário-mínimo (a soma da inflação do ano anterior e da variação do PIB dos últimos dois anos).

Além de indexar benefícios da Previdência à inflação, o reajuste impacta muito no preço dos serviços. O setor soma 70% do PIB e não tem concorrência externa.

Em janeiro, Dilma desautorizou o ministro Nelson Barbosa (Planejamento) de propor regra que condicionaria o aumento do mínimo a ganhos de produtividade.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, também vê, por conta do deficit e do dólar, “muita gente trabalhando com inflação para 2016 entre 1,7 e 2 pontos acima da última previsão” do Boletim Focus do BC (5,7%). “É um círculo vicioso. O fundo disso é muito difícil de imaginar”, afirma ele.

Fonte: Folha de S.Paulo