Ao mesmo tempo, diz, aparece um montante expressivo de contribuintes que se dizem proprietários de empresas e que ganham cada vez mais lucros e dividendos. Isso indicaria que parte dos empregados de maior salário passou a prestar serviço como empresa.
De acordo com dados das declarações de pessoa física de 2013, 2,1 milhões de declarantes – 7,9% do total – disseram receber lucros e dividendos, inclusive de microempresas. Apesar de representar menos de 10% da quantidade de declarantes, esses contribuintes respondem por 27% do total dos rendimentos declarados, mas por apenas 10,3% dos rendimentos tributáveis.
Os que não recebem lucros representam 92% do total de contribuintes, respondem por 73% da renda declarada, mas arcam com 89,6% da renda tributável. Para Afonso, a disparidade entre renda total e a tributável existe porque a parcela preponderante dos rendimentos dos indivíduos de mais alta renda, não vem de formas tributáveis, como salários e aluguéis.
Isso acontece por decisão do profissional, que prefere se organizar como uma pessoa jurídica para pagar menos IR ou por decisão do empregador, que deixa de contratar pela CLT como fuga da alta tributação sobre folha de salários. Essa reestruturação, diz Afonso, irá impor crescente dificuldade para custeio do regime geral de previdência. “Isso torna necessário repensar as políticas públicas, em especial a tributação e o financiamento do sistema previdenciário.”
Pedro César da Silva, tributarista e sócio da Athros Auditoria, explica que muitas vezes o profissional liberal prefere ser tributado numa pessoa jurídica do que submeter os recebimentos à tabela progressiva do IR das pessoas físicas.
O governo encaminhou recentemente ao Congresso uma proposta para mudar a tributação de lucros e dividendos. O alvo são empresas, especialmente as prestadoras de serviço, que declaram pelo lucro presumido, mas também apuram resultados pela contabilidade tradicional. O objetivo é tributar na tabela do IR parte do lucro que essas empresas distribuem com base na contabilidade completa e que não tenha sido alcançada pelo lucro presumido.
Uma parte da transformação dos trabalhadores em empresas, no entanto, diz Silva, surge da decisão do empregador que, ao contratar empresas, reduz a carga tributária sobre folha de salários. Na regra geral, diz o tributarista, o empregador recolhe a contribuição ao INSS pela alíquota de 20% sobre a folha de salários. Ou seja, paga a contribuição calculada sobre o salário total do empregado.
Ao contratar uma empresa, não há recolhimento para o INSS. O trabalhador, que passa a prestar serviço como empresa, irá pagar a contribuição somente sobre o que declara como pro-labore. “Geralmente, é um salário mínimo, bem menos do que a receita total do contrato de trabalho.” Ou seja, o que deixa de ser recolhido pelo empregador da pessoa física não passa a ser pago pelo trabalhador que virou empresa.
O impacto para o sistema previdenciário está aí, aponta o estudo. “Muitos esquecem que o empregador contribui para o regime geral de previdência sobre o valor total dos salários enquanto o empregado apenas até um teto”, diz o levantamento. Atualmente o teto é de R$ 5.189,82 ao mês. Para Afonso, a decisão de contratar serviços como firma individual em vez de trabalhador com carteira assinada é tomada basicamente pelo empregador, que pretende fugir dos encargos patronais do Brasil, um dos maiores do mundo.
Fábio Castro, pesquisador da Universidade de Brasília, diz que é muito difícil saber se o processo de “pejotização” se dá por iniciativa do trabalhador ou do empregador. De qualquer forma, diz ele, os dados mostram que o fenômeno é relevante e com certeza tem impacto no regime previdenciário.
Para ele, um agravante é a desoneração de folha, que possibilita a alguns setores uma redução do recolhimento da contribuição previdenciária ao permitir que o cálculo do tributo sobre folha seja alterado para o de uma determinada alíquota sobre faturamento. Castro defende que a discussão da desigualdade no país não deve se resumir à receita, às bases de tributação.
“É preciso verificar o lado da despesa, com o que se gasta, verificar certos subsídios e benefícios”, diz o pesquisador. Na desoneração de folha, exemplifica ele, a questão é qual a lógica. O benefício é concedido por NCMs [Nomenclatura Comum do Mercosul]. Qual o custo-benefício disso? Parece um processo aleatório.”
O diretor-presidente da Abrapp, José Ribeiro Pena Neto, diz que a mudança estrutural apontada por Afonso tem impacto na previdência como um todo, seja pública ou privada. Ao transformar-se em pessoa jurídica, diz Pena Neto, o trabalhador deixa de contribuir da mesma forma para o regime público e torna-se um desafio para as empresas de previdência privada. O público do setor, diz Pena Neto, é o trabalhador de renda mais alta.
Para ele, a transformação apontada mostra que é necessário repensar a previdência privada que tem atualmente entre seus alvos as empresas que não oferecem planos privados a seus empregados e também os trabalhadores de renda mais alta.
O presidente da Abrapp destaca que é preciso discutir mecanismos para promover a poupança privada de longo prazo e, entre eles, sugere, maiores incentivos tributários relacionados ao Imposto de Renda das pessoas físicas e das empresas menores, que estão no lucro presumido.