O prolongamento da crise econômica e a inflação ainda elevada têm feito de 2016 mais um ano de ganhos reais modestos nos salários. As categorias que fecharam dissídio neste primeiro trimestre têm encontrado dificuldade para garantir pelo menos as perdas acumuladas pelos índices de preços e relatam cada vez mais casos de reajustes escalonados e parcelados.

O boletim Salariômetro, que a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) divulga hoje, mostra que houve perda real nas negociações em todos os três primeiros meses deste ano. A mediana dos acordos e convenções coletivas homologados indica queda de 0,8% em janeiro, de 0,3% em fevereiro e de 0,1% em março.

O levantamento revela ainda outro sintoma da crise captado pelo acompanhamento da atividade dos sindicatos. O volume de acordos de redução de jornada com corte proporcional da remuneração soma 92 no primeiro trimestre, mais de um terço do contabilizado em todo o ano de 2015. Desse total, pouco mais da metade, 54, foram feitos através do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), criado pelo governo no ano passado para tentar conter o número crescente de demissões no setor produtivo.

Os metalúrgicos de Jaraguá no Sul (SC) fecharam quatro neste início de ano, conta Silvino Volz, presidente do sindicato da categoria, todos feitos através da Lei 4.923, de 1965 – e, portanto, sem o auxílio dos recursos do FAT, usados pelo PPE para complementar parte da redução das remunerações. As exigências que garantem a elegibilidade para o programa do governo federal, entre outras a necessidade de que as empresas não tenham débitos com o INSS e com o FGTS, acabam deixando muitas companhias de fora, diz o sindicalista.

Depois de anos consecutivos de aumentos reais superiores a 1%, em 2016 a categoria, com data-base em janeiro, fechou reajuste de 11,28%, o equivalente ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado nos 12 meses até dezembro. “A negociação foi muito mais difícil, tivemos 11 rodadas”, comenta.

Tão preocupante quanto a correção modesta nos salários é a perspectiva de alta do desemprego entre os metalúrgicos da região. Entre janeiro e março, o sindicato contabilizou 1,3 mil demissões, encolhendo a base, hoje com 23,5 mil trabalhadores, em 5,2%.

Essa é também a apreensão do presidente do sindicato da construção civil do município do Rio (Sintraconst-Rio), Carlos Antonio de Souza. Nos últimos 12 meses, afirma, o volume de empregados no setor despencou de 200 mil para 160 mil na região. A conclusão das obras para a Olimpíada deve provocar outros 10 mil desligamentos nos próximos meses, ele estima.

“Qual o poder de mobilização que a gente tem diante do desemprego?”, ressalta o sindicalista, que tenta demover o sindicato patronal da proposta, atualmente em negociação, de apenas metade da inflação acumulada no período – dividida em duas vezes, com mudança da data-base de março para outubro.

Depois de uma negociação conturbada, que começou em outubro do ano passado, em meio a diversos episódios de atraso no pagamento de salários, os profissionais de asseio e conservação da cidade de São Paulo tiveram perda real de 1,17% nos salários, com reajuste nominal de 10%. O setor tem sido prejudicado pelas dificuldades financeiras enfrentadas pela prefeitura e pelo governo do Estado – que têm levado os entes a rever contrato com as terceirzadas para cortar custos. No início deste ano, os funcionários de limpeza da linha Azul do Metrô chegaram a entrar em greve por atraso no pagamento de salários e benefícios.

“Nós fomos para a negociação em uma situação extremamente desfavorável, mas o que preocupa é a situação atual. Nosso setor emprega muita gente e paga salários baixos, perto do mínimo. Quem for demitido agora dificilmente vai conseguir outra vaga”, afirma o presidente do sindicato que representa a categoria, o Siemaco, Moacyr Pereira. O município soma 120 mil trabalhadores, entre profissionais de asseio e conservação, limpeza urbana e áreas verdes. Os primeiros têm data-base em janeiro.

O coordenador do boletim Salariômetro, Hélio Zylberstajn, ressalta que o cenário dos reajustes é ainda pior do que o retratado pelo levantamento. Nos últimos meses, a mediana dos acordos – fechados entre uma empresa específica e seus funcionários – chegou a 11%, enquanto a das convenções, que englobam um número muito maior de trabalhadores, foi de 10%. “A única boa notícia hoje é que a inflação está cedendo”, acrescenta o economista – ressalvando, contudo, que o aprofundamento da recessão deve seguir limitando o espaço para as empresas concederem aumentos reais.

Os farmacêuticos de São Paulo foram surpreendidos pela desaceleração dos índices de preços no mês passado. “Fechamos o dissídio de 10% com base na projeção do Dieese, que estava em 10,15%. Acabamos ganhando 0,08% de aumento real”, comemora Sergio Luiz Leite, presidente da Fequimfar, uma das federações que representa os farmacêuticos do Estado, 56 mil trabalhadores. A categoria negociou ainda que o abono de R$ 800 pago em outros dissídios fosse dividido em 12 parcelas, incluídas no tíquete alimentação, que teve, assim, aumento superior a 50%.

Os 140 mil profissionais de TI de São Paulo conseguiram repor as perdas inflacionárias e fecharam alta de 10,67% nos salários – o aumento apurado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no ano passado. Para elevar a proposta inicial feita pelo sindicato empresarial, metade do índice, o Sindpd, que representa a categoria, concordou em dividir o reajuste em duas partes – 8,5% na data-base, em janeiro, e 2,17% no segundo semestre.

Para o presidente da entidade, Antônio Neto, a falta de um horizonte para a retomada da economia indica que a negociação difícil deste ano pode se repetir no dissídio de 2017. “A crise está batendo agora nas prestadoras de serviços”, diz. O ganho real deste ano praticamente empatou com o de 2015, que ficou em 0,1%. Em 2014, a alta foi de 2,1%.

Para garantir o INPC acumulado até fevereiro, 11,08%, a campanha dos sapateiros de Franca (SP) foi parar na mesa de conciliação do Ministério do Trabalho. Diante do momento mais difícil, o presidente do sindicato da categoria, Sebastião Ronaldo, diz que buscou alternativas fora do percentual de reajuste para tentar elevar os salários dos 28 mil trabalhadores que formam a base – entre elas estavam o auxílio escolar, pago aos que têm filhos, que foi corrigido de R$ 230 para R$ 256.