BC: juros do cartão chegam a 360,6% ao ano e os do cheque especial, a 232%. Governo amplia limite de salário comprometido com consignado para 35%

O governo elevou a margem do empréstimo consignado (com desconto em folha) para 35% da renda dos trabalhadores. O teto anterior era de 30% e, segundo o texto da medida provisória 681, publicada nesta segunda-feira no Diário Oficial da União, o limite adicional somente poderá ser utilizado para pagar despesas com cartão de crédito. A medida veio após a presidente Dilma Rousseff vetar o aumento dessa margem para 40%, aprovado pelo Congresso, sob o argumento de que mudança poderia elevar o endividamento das famílias, a inadimplência e dificultar o controle da inflação.

Nos bastidores, o aumento aprovado pelo Congresso foi considerado excessivo pela equipe econômica. Em nota, o Ministério da Fazenda informou que a medida tem o objetivo de atenuar os efeitos do ajuste fiscal em curso e reduzir os juros cobrados pelo cartão de crédito.

Na prática, o governo está criando um produto novo no mercado ao permitir aos consumidores descontar o pagamento da fatura dos cartões de crédito, direto no contracheque. Isso pode ampliar o consumo e, por outro lado, possibilitar a amortização da dívida do cartão, com juros mais acessíveis. Atualmente, somente aposentados e pensionistas do INSS podem recorrer à modalidade, mas no limite de 10% da renda e através de um cartão específico (uma espécie de cartão de débito, com data de pagamento vinculado ao crédito do benefício). Agora, será preciso editar uma instrução normativa para adequá-lo à nova legislação.

De acordo com dados do Banco Central (BC), a taxa média cobrada no consignado em maio era de 27,2% ao ano, enquanto no crédito pessoal estava em 48,2%. Já os juros cobrados no cartão (rotativo) atingiram no período 360,6% ao ano, com índice de inadimplência de 35,4%.

No caso dos aposentados do INSS, segmento em que o governo teve que criar regras específicas, o teto dos juros do cartão é de 3,06% ao mês, e do empréstimo com desconto em folha, de 2,14%. Fontes da equipe econômica ainda não têm projeção sobre o efeito da medida na redução de taxas do cartão para os demais trabalhadores, mas avaliam que o percentual cobrado dos aposentados é um bom parâmetro.

Segundo o Ministério da Fazenda, não será preciso que o BC regulamente a nova margem do consignado. Já os bancos terão que se adequar para permitir, por exemplo, que os clientes possam consignar o parcelamento da dívida do cartão ou obter um novo cartão consignável. O Ministério da Previdência informou que o limite do cartão a ser consignado pelos aposentados poderá ficar mais flexível, desde que não ultrapasse os 35%. Representantes dos aposentados já haviam pedido aumento.

A elevação da margem do consignado é uma vitória da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que reúne bancos menores, sobre a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), que representa as grandes instituições. Embora destaque a importância da modalidade como um dos principais instrumentos de ampliação do crédito, a Febraban era contra a medida.

Em carta enviada ao Ministério da Fazenda em maio deste ano, quando havia a expectativa de que o governo elevasse o limite para 40%, a Febraban alertava sobre consequências “negativas e indesejáveis para o mercado de consumo e o aumento do nível de endividamento para a população”. No texto, a Febraban mostrou preocupação especialmente com o cartão de crédito consignado, produto hoje oferecido principalmente por bancos menores a aposentados.

Na prática, o saldo complementar aos 10% descontados em folha deverá ser pago em separado e, caso isso não seja feito, o valor será financiado pelo ‘rotativo do cartão’. Assim, diz a Febraban na carta, “a dificuldade sobre o entendimento do cartão de crédito consignado pode sujeitar os tomadores à utilização do crédito rotativo”. Essa modalidade tem juros bem altos.

Também em nota, a ABBC considerou “saudável” a elevação da margem do consignado. De acordo com a associação, as alterações são positivas para os clientes, que poderão quitar dívidas com cartão de crédito com juros mais favoráveis, e para os bancos, que poderão ofertar maior volume de recursos.

LIMITE DE ENDIVIDAMENTO É MUITO ELEVADO, DIZEM ANALISTAS

Para especialistas, a medida estimula a troca de uma dívida mais cara por outra mais barata. Mas, dizem, o limite de endividamento de 35% é muito elevado e perigoso. Segundo eles, o limite máximo de comprometimento de renda que uma pessoa deve ter com dívidas fica entre 15% e 20%.

— Fomentar a troca de dívida cara por outra com juros menores é positivo. Mas as pessoas devem ter cuidado com qualquer nível de endividamento acima de 30%, considerando dívidas de curto ou médio e longo prazo, como o consignado — diz Thiago Alvarez, fundador do GuiaBolso.com, portal que ajuda a controlar a vida financeira.

Publicidade

Para Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor de pesquisas econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), aumentar a oferta de crédito num cenário em que a renda das famílias é corroída por inflação, juros altos e aumento de tarifas públicas (como energia) pode elevar o risco de inadimplência. Além disso, ele acha a medida contraditória com a alta dos juros para conter o consumo e a inflação:

— O consignado é debitado diretamente no contracheque. Mas as contas de luz ou água, por— exemplo, poderão ser atrasadas se esse consumidor comprometer demais sua renda.

O diretor da Associação Brasileira do Consumidor, Marcelo Segredo, alerta que dívidas de longo prazo, como o consignado que tem prazo máximo de 72 meses, pesam muito no bolso. Um empréstimo de R$ 20 mil com juros médios de 2% transformam-se em R$ 37.910,88 em 72 meses.

Fonte: O Globo