O julgamento que poderá impedir o uso do amianto crisotila no país começou com um voto a favor da proibição. A relatora da ação (ADI 4066) no Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, considerou inconstitucional norma que permite o uso da fibra. A análise ontem foi suspensa, porém, por falta de tempo para conclusão. O julgamento deve ser retomado na próxima quarta-feira.O Supremo avalia o artigo 2º da Lei federal 9.055, de 1995, que permite o uso e a venda do amianto da variedade crisotila (asbesto branco) e produtos que o contenham na formulação. Outra variedade da fibra, o amianto do tipo anfibólio, já está banido desde a edição da norma federal e não é questionado na ação.

Estima-se que cerca de 50% das residências no Brasil sejam cobertas por telhas onduladas de amianto e 80% das caixas d’água sejam fabricadas com esse material, conforme a ministra Rosa Weber afirmou em seu voto. Entre os países que toleram o crisotila, o Brasil é um dos que adota limite maior.

Mais do que disciplinar a aplicação da crisotila, o artigo 2º da lei 9.055, dá legitimidade a seu uso. Para Rosa Weber, embora até pudesse ser considerado “ainda constitucional” no momento em que a norma foi editada, não é mais razoável admitir o texto, tendo em vista estudos científicos e evidências de ineficácia de medida de controle.

“A tarefa da Corte há de se fazer embasada nas conclusões da comunidade científica”, afirmou a relatora. No voto, a ministra citou diversos estudos científicos que relacionam a substância ao desenvolvimento de câncer.

A ministra afirmou na sessão que a disciplina do uso da crisotila está em desacordo com os direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente. Além disso, não se alinha a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil nas Convenções 139 e 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A Constituição autoriza o Estado a impor limitações aos direitos fundamentais, diante da necessidade de eles estarem de acordo com outros direitos fundamentais, segundo Rosa Weber. Nesse sentido, a liberdade de iniciativa não impede que sejam estabelecidos condições e limites para a exploração de atividades privadas.

“O Supremo não pode se furtar ao dever de fazer valer a Constituição”, afirmou. De acordo com a ministra, não cabe cogitar a fixação de prazo para o legislador estabelecer norma com novos prazos para abandonar exploração do crisotila.

O amianto crisotila ainda é utilizado na indústria química para produção de cloro. Essa prática é prevista em legislação federal posterior – a Lei n 9.976, de 2000 – específica para o setor e que permite o uso até que se complete a transição tecnológica do parque industrial. A situação disciplinada nessa lei não é afetada pelo julgamento de ontem, segundo a relatora.

O desfecho da discussão é acompanhado de perto por representantes do setor. O Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC) indica que o comércio de telhas de crisotila movimenta cerca de R$ 3 bilhões por ano. Atualmente, há uma única mineradora que explora o amianto, a Sama Minerações Associadas, que tem entre seus controladores o Grupo Eternit, e 11 empresas que o utilizam como matéria-prima.

Antes do voto de Rosa Weber sobre o mérito da ação, os ministros analisaram se a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTT) teriam legitimidade para entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no STF sobre esse tema. Prevaleceu o voto da relatora, pela legitimidade.

O ministro Luiz Fux afirmou que os procuradores do trabalho velam pela saúde do trabalhador e a Justiça do Trabalho julga esses assuntos, portanto, há pertinência. Também reconheceram a legitimidade os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio Mello. Os ministros Roberto Barroso e Dias Toffoli estão impedidos de participar do julgamento.

O STF ainda deve julgar quatro ações sobre leis dos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo e também do município de São Paulo sobre o tema. As leis foram questionadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) por serem mais restritivas do que a norma federal.