Na média entre janeiro e junho, o rendimento real do brasileiro ficou em R$ 2.195,05, de acordo com o IBGE

A primeira metade de 2015 terminou com um balanço amargo para o mercado de trabalho. Na média entre janeiro e junho, o rendimento real (já descontando a inflação) do brasileiro ficou em R$ 2.195,05, valor 2,1% menor que o registrado no mesmo período do ano passado. É a maior perda nos ganhos dos trabalhadores desde 2004, quando o recuo do primeiro semestre chegou a 3,09%. Os dados fazem parte da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), divulgada nesta quinta-feira pelo IBGE. A taxa de desemprego subiu para 6,9% no mês passado, a mais alta para um mês de junho desde 2010.

E as perspectivas para o segundo semestre não são boas. Entre os economistas ouvidos pelo GLOBO, já há quem estime que a renda média do trabalhador encerre o ano em patamar 4% inferior ao do ano passado. É o caso de Rafael Bacciotti, economista do Tendências. Segundo ele, o cenário negativo do mercado de trabalho vai persistir no segundo semestre.

— Esse processo deve continuar ocorrendo. A gente não tem perspectiva de mudança na atividade. Pelo contrário, há um consenso de que a recuperação vai ficar para depois, em 2016 — afirma o analista, que espera uma taxa média de desemprego de 6,7% neste ano.

Já Rodolfo Margato, economista do Santander, prevê queda de 3% da renda este ano.

— A perda na renda real não era esperada nessa magnitude. A explicação está na queda mais forte da atividade doméstica — destaca.

A alta do desemprego está diretamente ligada à queda da renda. Com mão de obra de sobra, a negociação salarial de quem está empregado fica mais difícil. Além disso, trabalhadores em busca de vagas acabam aceitando salários menores — uma tendência das empresas, em meio à economia mais lenta.

Após cinco meses desempregada, a ex-operadora de telemarketing Mariana Vieira Ewald, 30 anos, está disposta a ganhar menos para não ficar sem trabalho. Mãe de dois filhos, de 6 e 13 anos, ela era uma das dezenas de pessoas que buscavam vagas em um posto Secretaria do Trabalho, no Centro do Rio, nesta quinta-feira à tarde, e se mostrava bastante apreensiva. Desde que foi demitida, ela não consegue encontrar uma vaga que ofereça salário no mesmo patamar do anterior ou algum tipo de benefício, como vale-alimentação ou plano de saúde.

— Está muito difícil. Tenho conseguido me manter por conta da ajuda da família. Daqui para frente, estou aceitando o que vier, porque está muito difícil. Trabalhei por cinco anos em uma empresa, saí para ganhar mais em uma outra e, três meses depois, fui demitida. Nem seguro-desemprego pude usar. Fiz uma péssima troca — lamenta Mariana.

Na análise de Hélio Zylberstajn, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e coordenador do site Salários.org.br, da Fipe, se a taxa de desemprego divulgada refletisse a realidade de hoje, ela já teria passado dos 7%, e a tendência é continuar nessa escalada. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, também do IBGE e que analisa o mercado de trabalho em todo o país, a taxa de desemprego do período de março a maio foi de 8,1%.

– O rendimento real está sendo corroído pela inflação, que é o maior inimigo do consumidor. E o poder de barganha do trabalhador para negociar salários está cada vez mais fraco – avalia. – Até janeiro deste ano, os sindicatos de classes trabalhadoras conseguiam repor a inflação e ainda ter um ganho real nas negociações salariais. Depois disso, com o aumento da inflação, que já gira em torno de 9% (no acumulado de 12 meses), as empresas não têm nem reposto a inflação.

O processo funciona como em um círculo vicioso: a queda na renda provoca o aumento da desocupação, e vice-versa. Para Fábio Romão, economista da LCA Consultores, um dos fatores que permitiu que a taxa de desemprego se mantivesse baixa no ano passado foi a baixa pressão sobre o mercado, reflexo do maior número de pessoas que optavam por não trabalhar. Isso só era possível graças à alta na renda, um movimento que já começou a se reverter.

– Houve um período bastante importante de crescimento real da renda, e isso permitiu que principalmente os mais jovens postergassem a entrada no mercado de trabalho. Agora, é o contrário – analisa Fábio Romão.

Hoje, são justamente os jovens que mais sofrem com a falta de trabalho. O desemprego da população entre 18 e 24 anos avançou para 17,1% em junho, após ter ficado em 12,3% no mesmo mês do ano passado. É a maior para essa faixa etária desde agosto de 2009, quando chegou a 17,4%, porque a economia ainda se ressentia dos efeitos da crise econômica global.

Tradicionalmente, a desocupação entre os mais jovens é mais elevada. Mas o IBGE chama atenção para intensidade da alta registrada na comparação com o ano passado. O aumento de 4,8 pontos percentuais foi o maior entre as três principais faixas etárias acompanhadas pelo pesquisa do instituto. No grupo entre 25 a 49 anos, a taxa passou de 3,6% para 5,8% (diferença de 2,2 pontos percentuais) e, entre os com 50 anos ou mais, foi de 2% para 2,9% (alta de 0,9 ponto percentual). Na média geral, a taxa passou de 4,8% para 6,9% (diferença de 2,1 pontos percentuais).

Considerando todas as faixas de idade, o número de brasileiros que ingressou na chamada população economicamente ativa (pessoas que estão trabalhando ou procurando emprego) mês passado aumentou 0,9% em relação a junho de 2014. O percentual é considerado estatisticamente irrelevante pelo IBGE, mas representa 224 mil a mais na força de trabalho, que chegou a 24,4 milhões nas seis maiores regiões.

No mesmo período, o número de pessoas ocupadas diminuiu 1,3%, refletindo a onda de demissões observada nos últimos meses. Com isso, a fatia dos desempregados cresceu nada menos de 44,9% em um ano e chegou a 1,7 milhão de pessoas nas seis regiões metropolitanas acompanhadas pela pesquisa. A menor taxa de desemprego foi registrada na região metropolitana do Rio (5,2%), e a maior, em Salvador (11,4%).

— O crescimento da desocupação pode estar sendo provocado tanto por aqueles que perderam o emprego, quanto por aqueles que estão tentando entrar no mercado de trabalho e já entram na condição de desocupados — explica Adriana Beringuy, técnica do IBGE responsável pela pesquisa.

Além da queda da renda, os dados indicam criação menor de vagas em cada vez mais setores. No mês passado, a maior queda na população ocupada foi registrada no construção civil, que perdeu 5,1% de sua força de trabalho entre junho de 2014 e junho de 2015.

Apesar de concordar com o quadro negativo, Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp e especialista em mercado de trabalho, destaca que o emprego ainda tem mostrado sinais de resistência e que, diante da perspectiva de recuperação no ano que vem, é possível que empresários decidam evitar as demissões.

— Não há um sentimento de que o mergulho na recessão durará dois, três, quatro anos. Há uma grande expectativa de que o sinal de melhora ocorrerá no primeiro semestre do ano que vem. Se eu sou empresário, vou demitir somente aquilo que preciso — afirma Dedecca.

Fonte: O Globo