Analistas recomendam calcular gastos mensais frente ao salário, além de guardar uma reserva

Meu filho ficou desempregado e, junto com isso, a luz e as compras no supermercado subiram muito. Já estou buscando um acordo no banco, mas dos cartões vou esperar uma proposta melhor — conta Rosa, logo depois de consultar seu nome no escritório de uma das empresas que fazem a administração de cadastro de inadimplentes.

Assim como Rosa, mais de 60 milhões de brasileiros estão negativados nesses cadastros ou, na expressão popular, com o “nome sujo”. A maior parte tem apenas uma dívida em atraso nessas bases de consulta, mas uma parcela de 17% possui ao menos quatro compromissos financeiros em atraso. Ver o quanto é possível disponibilizar por mês para sair dessa situação e o que pagar primeiro devem estar na lista de afazeres de quem está fazendo o ajuste fiscal pessoal.

— É preciso planejar na hora de fazer os acordos de pagamento para que o consumidor não corra o risco de ficar inadimplente novamente. Mais da metade das pessoas que limpam o nome retornam à condição de negativado em menos de um ano. Isso mostra que, além das questões macroeconômicas, como inflação e desemprego, temos um sério problema de planejamento financeiro — explicou Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC.

INVESTIR, MESMO QUE R$ 50

Para contornar essa situação, a dica unânime é fazer um levantamento dos gastos mensais, não só das dívidas, e do salário líquido. Sabendo o quanto custa o essencial — luz, água, alimentação, transporte e gastos com moradia — e o quanto entra de dinheiro, é possível saber qual a parcela que pode ser usada para quitar as dívidas em atraso.

Na avaliação do educador financeiro Reinaldo Domingos, embora cartão de crédito e cheque especial tenham juros elevados, contas como água e luz não podem acumular grandes atrasos, ou o devedor ficará sem esses serviços, que são essenciais.

— É preciso priorizar o que é essencial. Nisso não dá para mexer. Depois, as dívidas que são garantidas por um bem que pode ser retomado se o atraso for muito grande, como carro ou a casa. Depois, vêm as dívidas em que o peso dos juros é maior, como cartão e cheque — explica.

Outro passo considerado importante é, mesmo nesse período de ajuste, ter algum objetivo de longo prazo e se preparar para ele. Dessa forma, todos na família estarão envolvidos nesse esforço de corte de gastos e pagamento de contas. Domingos defende que, para isso, é importante iniciar algum investimento, mesmo que de um valor baixo, como R$ 50 por mês.

O consultor financeiro Augusto Saboia também recomenda que, depois de fazer todo o planejamento — gastos essenciais, renda mensal disponível e dívidas em atraso —, é preciso pensar em fazer alguma economia. Primeiro, porque é a falta de uma reserva financeira que muitas vezes leva à inadimplência. Segundo, porque ter algum dinheiro guardado permite pagar alguma dívida com desconto mais relevante.

— Na hora de negociar, sempre diga não para a primeira proposta do credor. Para a segunda também. Ao ter o desconto final e a condição de pagamento, é hora de comparar com as outras propostas. É melhor escolher a que tem o maior desconto — afirma Saboia, que também recomenda uma renda extra. — É a renda extra que vai antecipar o prazo de pagamento de uma dívida velha, gerada porque se gastou a mais por vários meses. Então, para resolver isso, é preciso ganhar mais por vários meses.

Em um momento de inadimplência em alta — em junho, os atrasos acima de 90 dias das pessoas físicas ficaram em 4%, contra 3,6% no mesmo mês de 2015 —, os especialistas lembram que os credores (bancos, administradores de cartões de crédito, varejistas e prestadores de serviços) estão mais dispostos a negociar. Com isso, é possível conseguir desconto em multas e juros, além de prazos maiores de pagamento.

BOLETOS E CONTAS À FRENTE

Um dado curioso em relação ao perfil dos inadimplentes é o que motivou a entrada no cadastro negativo. Até o início do ano passado, o cartão de crédito era a principal razão. Mas esse quadro mudou, e agora são os boletos diversos, incluindo as contas das concessionárias de serviços públicos, que respondem por 42% das negativações. Uma das explicações para essa mudança é que, sem emprego, as pessoas ficaram sem dinheiro para arcar com contas como as de telefone e luz.