Quanto menor o nível de escolaridade do chefe de família, e quanto mais frágil o vínculo trabalhista, maior a incidência de crianças e adolescentes trabalhando em São Paulo e Porto Alegre, segundo pesquisa DIEESE

 

São Paulo, fevereiro de 2018 – Pesquisa encomendada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo aponta a presença de crianças em atividade laboral em 1,3% das famílias de São Paulo e 0,8% das de Porto Alegre. Identificou também que, neste universo, 46,6% das famílias paulistanas e 46,2% das famílias de Porto Alegre têm renda familiar per capita de até meio salário mínimo (R$ 477), que o principal responsável está inserido no mercado de trabalho informal, ou está completamente fora do mercado de trabalho. Revelou ainda que em 17% das famílias em que o chefe não tinha ensino médio completo, havia adolescentes de 15 a 17 anos trabalhando. O resultado da pesquisa foi apresentado dia 26/02 durante reunião do o Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FEPETI).

 

O estudo foi desenvolvido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), realizada com a amostra de 3.300 domicílios por mês, entre os anos de 2014 e 2016, e foi baseado na Pesquisa de Emprego e Desemprego em São Paulo e Porto Alegre. Os pesquisadores consideraram trabalho infantil aquele realizado por crianças de 10 a 14 anos e adolescentes de 15 a 17 anos.

 

A procuradora do Trabalho Elisiane dos Santos, coordenadora do FEPETI, explica a importância deste estudo para avançar nas ações para a erradicação do trabalho infantil. “O foco inicial da pesquisa foi compreender o perfil das famílias com crianças no trabalho infantil para que se tenha uma atuação mais efetiva e eficaz em relação às causas estruturais do trabalho infantil. As políticas sociais de educação, cultura, trabalho e renda, empregabilidade para grupos historicamente discriminados como mulheres e população negra são imprescindíveis, nesse contexto, para se avançar no enfrentamento do trabalho infantil. A pesquisa mostra que quanto mais frágeis os vínculos laborais dos responsáveis familiares, maior é a probabilidade de trabalho infantil nas famílias. As mulheres aparecem na pesquisa como principais responsáveis pelo sustento familiar.”

 

Para a coordenadora da Pesquisa de Emprego e Renda do Dieese, Lúcia Garcia, “a pesquisa deixa claro que a prevalência de trabalho de crianças e de adolescentes está associada a uma condição socioeconômica, e não a uma predileção pelo trabalho. “O discurso recorrente de que o elemento cultural das famílias e a necessidade de afastar os jovens e as crianças de influências negativas são determinantes para justificar o trabalho precoce cai por terra. O que comprovamos com essa pesquisa é que o fator determinante para a prevalência do trabalho infantil é a pobreza e a limitação da inserção social dos responsáveis por essas famílias. O trabalho infantil e o trabalho do adolescente, claramente aqui está associada a falta de oportunidades”.

 

Famílias chefiadas por mulheres são ainda mais vulneráveis

A pesquisa também mostrou que as famílias chefiadas por mulheres são ainda mais propícias a ter crianças ou adolescentes trabalhando. “As famílias monoparentais, ou seja, apenas com a presença de um dos pais, chefiadas especialmente por mulheres e de baixa escolaridade, têm 50% a mais de chance de precisar contar com o trabalho de crianças e adolescentes para compor o orçamento do que todas as outras famílias. Isso está relacionado à discriminação e às maiores dificuldades que as mulheres enfrentam no mundo do trabalho. As taxas de desemprego femininas são 5 pontos percentuais superiores às masculinas; as mulheres se inserem de maneira mais precária e têm renda menor. A fragilidade das mulheres redunda em uma pobreza e em uma probabilidade maior do trabalho infantil”, afirma Lúcia Garcia.

 

Elisiane ressalta que a atuação do MPT no combate ao trabalho infantil não é somente na responsabilização do explorador da mão de obra infantil , destacando que muitas vezes as famílias são vítimas também da precarização no trabalho, e portanto há responsabilidade do Estado na promoção e implementação de políticas públicas que atendam essa população. “Há todo um universo de fiscalização quando existe uma organização empresarial por trás do trabalho infantil, seja de forma indireta, nas cadeias produtivas, ou quando tem um explorador direto que possa ser responsabilizado”, diz a procuradora, “mas também existe a responsabilidade do Estado, pela realização de políticas intersetoriais para que essas famílias tenham uma elevação das suas condições socioeconômicas, uma vida e um trabalho digno”.

 

A procuradora ainda faz um alerta: “A Reforma Trabalhista, ao possibilitar formas flexíveis de contratação, como trabalho intermitente, terceirização sem limites, em desrespeito aos primados do Direito do Trabalho, fragilizando ou desestimulando vínculos laborais, deverá impactar no enfrentamento do trabalho infantil, agravando as condições gerais de vida dos trabalhadores e a inserção precoce dos seus filhos no trabalho, de forma precária.” Nesse sentido, a  luta contra o trabalho infantil deve ser  também uma luta pelo trabalho decente para a população adulta, envolvendo toda a classe trabalhadora, e deve se pautar também pela igualdade racial e de gênero na sociedade, acesso à educação e políticas de trabalho e renda”.