Campos Neto diz no Senado que atuação do BC é “técnica”. Mas, desde agosto, taxa real de juros triplicou, e inflação caiu pela metade
São Paulo – Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, continuou a defender a taxa de juros a 13,75%. Ele argumenta que se trata do principal instrumento no “objetivo” de combater a inflação. Segundo ele, o trabalho do BC é técnico e é desenvolvido por um quadro capacitado. “O Banco Central tem horizonte de atuação técnico que difere por muitas vezes do ciclo político”, disse.
O líder do PT na Casa, Fabiano Contarato (PT-ES), classificou a taxa Selic como “injustificavel”. “Nós temos que sair da Faria Lima e interagir com a população que mais precisa. O que justifica a taxa de juros em patamar tão significativo, a maior taxa real do mundo?”, questionou.
O presidente do BC negou ser aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro dizendo que “nunca na história desse país, nem na história do mundo, foi feito um movimento de aumento de juros tão grande no período eleitoral” como em 2022, devido à previsão de crescimento da inflação.
Em agosto de 2022, quando o BC subiu os juros de 13,25% para 13,75%, a inflação oficial (IPCA/IBGE) estava em 8,73%, depois de 11 meses acima dos dois dígitos. Grande parte dessa inflação vinha das altas dos preços dos combustíveis – que pararam de subir a poucas semanas das eleições. De agosto do ano passado a março deste ano, o IPCA vem caindo, chegando a 4,65% ao ano. Ou seja, A taxa básica de juros, que estava 57% acima da inflação, em sete meses passou a 196% mais alta que o IPCA anual.
Artilharia da base governista
Senadores de partidos da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva discordaram com veemência. Otto Alencar (PSD-BA) lembrou que a previsão de crescimento do PIB brasileiro em 2023 é de mero 1% ou menos. Disse que a política do BC destoa do cenário internacional. A inflação nos Estados Unidos, por exemplo, é mais ou menos 5% e os juros, 4,75%.
“O desenvolvimento só virá com a revisão da taxa de juros”, insistiu. “Não sou economista, sou até ortopedista, mas sofro na pele o que meus amigos empresários falam. Mas pra entender de economia não precisa ser economista formado”, ironizou Alencar.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) pediu diálogo e convergência de interesses. Ele destacou que a política monetária e política fiscal, assim como as respectivas autoridades, “precisam caminhar juntas, ser colaborativas”. Carvalho sugeriu que o debate político “para os políticos”.
O petista defendeu uma “concertação para que a gente possa ter um entendimento em defesa do Brasil, do emprego, do crescimento econômico, do investimento em tecnologia, da redução das desigualdades do país”. “Esse é o debate é que tem que ser priorizado”, destacou Carvalho.
“Paraíso dos bancos”
“Eu sei quanto custa a inflação para o mais pobre. Sabemos do histórico de inflação brasileira e do perigo que ele representa. É o imposto mais perverso que existe”, afirmou Campos Neto na audiência no Senado, que durou mais de quatro horas. Apesar de liberal e conhecida por ser uma voz do mercado na imprensa, a jornalista Miriam Leitão, da GloboNews, pôs em dúvida o argumento do critério “técnico” usado pelo presidente do BC. E afirmou que muita gente do mercado financeiro já questiona os critérios do dirigente.
Já o senador Cid Gomes (PDT-CE) disse que, como foi gestor público, nunca gastou mais do que arrecadou, e atacou o presidente do BC. “O Brasil virou o paraíso dos bancos. Autonomia do BC? Nada. O BC tem histórico de estar a serviço do sistema financeiro. Todos vem de lá e pra lá voltam.”
Campos Neto trabalhou para os bancos Bozzano, Simonsen e Santander entre 1996 e 2010.
Para Cid, que foi governador do Ceará de 2007 a 2014, “empresário que é empresário de fato gosta de juro baixo para investir e gerar emprego”. “Queria lhe fazer uma sugestão: pegue o seu bonezinho e peça pra sair”, sugeriu. O senador levou ainda uma lousa ao Senado para “explicar” a Roberto Campos Neto quanto dinheiro a política de juros tira do Orçamento da União, “ou seja, tira dos pobres”, para dar aos bancos.