Jair Bolsonaro apelou à mentira e à tergiversação em um novo pronunciamento, em cadeia obrigatória de rádio e TV, sobre a pandemia do coronavírus. Com uma discurso feito sob medida para mobilizar seus seguidores mais radicais, o mandatário voltou a minimizar os riscos da doença, que já matou mais de 17 mil pessoas pelo mundo e 46 no Brasil, a se lançar contra a mídia, prefeitos e governadores e contra as próprias evidências científicas.

“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós, e brevemente passará”, garantiu o mandatário de extrema direita, contra todas as previsões dos especialistas e do Ministério da Saúde que comanda. Depois, afirmou que “a vida deve continuar”, que “os empregos devem ser mantidos”, assim como os sustentos das famílias. “Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento do comércio e o confinamento em massa”, insistiu ele, indo em direção contrária ao que dizem as recomendações da Organização Mundial da Saúde e a todas as medidas de emergência adotadas em outros países. Com a ênfase na economia, Bolsonaro emula seu aliado Donald Trump, que propõe também afrouxar as restrições nos EUA, mesmo assim, só depois da Páscoa.

A primeira reação ao pronunciamento foi do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DE)―que foi contagiado pela Covid-19. Em nota, ele afirmou que o país espera uma liderança “séria, responsável e comprometida com a saúde e a vida da população”.

Bolsonaro insistiu na estratégia de forjar inimigos e oscilar de maneira errática, confundindo interlocutores. Na mesma semana em que diz ter mantido reuniões produtivas com governadores, aos quais passou a atender parte das demandas por liberação de recursos e suspensão de pagamentos de dívida, ele voltou ao ataque. O presidente voltou a insistir que o vírus ameaça principalmente aqueles com mais de 60 anos e outros problemas de saúde ―apesar de que há casos graves entre os mais jovens e saudáveis, sem falar no poder de contágio na circulaçça de toda a população. “Então, por que fechar escolas?”, questionou, para em seguida tentar mais uma vez espantar os rumores de que foi infectado. Ele também aproveitou a ocasião para fazer uma provocação ao médico Drauzio Varella. “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria, ou seria quando muito acometido por uma gripezinha. Ou um resfriadinho, como diz aquele famoso médico.” Grupos no Twitter e no WhatsApp vinham usando um áudio de Varella —antigo― para afirmar que o médico desencoraja as precauções. Perfis ligados ao bolsonarismo usaram a estratégia de distribuir o vídeo do médico.

O Brasil registrou até o momento 2.201 casos e 46 mortes pelo coronavírus, alguns deles com menos de 40 anos. Como só os pacientes com sintomas graves vem passando pelo teste, o próprio Ministério da Saúde afirmou nesta terça que para cada 100 pacientes infectados, apenas 14 são identificados. Além disso, os médicos afirmam que medidas que promovam o distanciamento social é a solução mais eficaz a curto prazo para conter a velocidade de contágio da pandemia para não colapsar os sistemas de saúde. A limitação da circulação de pessoas vem sendo adotada não apenas pela China, mas também pela Itália, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Argentina e mais recentemente até na Índia, entre outros países. Bolsonaro, contudo, diz confiar em um possível tratamento com a hidroxicloroquina que cientistas dos Estados Unidos e do hospital Albert Einstein vêm promovendo. Os estudos não são conclusivos, mas a mera possibilidade desatou uma busca desenfreada pelo medicamento nas farmácias. A própria ANVISA, do Governo Federal, desencoraja seu uso.