Fenômeno dos homens que não trabalham, não estão        procurando emprego nem são aposentados pode estar        associado ao desalento

Navegar horas a fio na internet atrás de informações sobre filósofos. Esta é a rotina de Wilson de Lima Santos, de 55 anos. “Vou sair na rua de manhã, a essa hora? Todo mundo vai ver que eu não estou trabalhando. Fico em casa adquirindo cultura”, conta o pernambucano, que mora há oito anos como agregado na casa de uma família no centro de São Paulo. “Mas, ultimamente, tenho precisado vir aqui jogar conversa fora”, diz, apontando para os amigos que papeiam encostados na lateral do Shopping Light, na mesma região.

Assim como Santos, há 1,27 milhão de homens brasileiros entre 50 e 64 anos que não trabalham, não estão procurando emprego, nem são aposentados ou pensionistas. Esse grupo, chamado de “nem nem maduros”, vem sendo observado há anos pelas pesquisadoras Ana Amélia Camarano e Daniele Fernandes, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os estudos apontam que esse contingente masculino fora da força de trabalho vem aumentando. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE, em 2015, 8,3% dos homens desta faixa etária se encaixavam no perfil “nem nem”. Dez anos antes, em 2005, esse porcentual atingia 6,2% e há 20 anos era de 4,1%.

Uma das razões desse aumento pode ser a dificuldade que os mais velhos enfrentam para se inserir no mercado de trabalho. “A mão de obra mais idosa já sofre preconceito. Em relação ao ‘nem nem’, que tem majoritariamente um perfil de baixa escolaridade, o preconceito é ainda maior”, afirma Ana Amélia. Nesse contexto, alguns desistem de procurar emprego por acreditar que não conseguiriam ser contratados para uma vaga. São os “desalentados”, que não entram na estatística tradicional de desocupação divulgada pelo IBGE.

Faz cinco meses que Wilson parou de ir atrás de emprego. “Eu não tenho mais qualidades para apresentar”, lamenta. Ele completou a graduação em Direito há quase um ano, em uma universidade particular, onde conseguiu vaga por meio do Fies. “Era formado em radiologia e eletrotécnica, tudo muito técnico, braçal. Cansei de ser peão, eu gosto é de pensar.” Mas, para seguir com a nova profissão, Wilson precisa ser aprovado na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A primeira tentativa foi frustrada. A segunda vai ficar para outra hora, diz ele.

Embora historicamente o número de desalentados cresça em períodos de recessão, a crise atual tem desenhado um quadro particular para esse grupo. De acordo com a pesquisadora do Ipea Maria Andreia Parente Lameiras, entre os que têm desistido da procura por emprego, chama atenção o forte aumento do número de pessoas que não se veem aptas a desempenhar aquelas funções ou porque não se sentem qualificadas ou porque se sentem qualificadas demais. “Não é que essas pessoas simplesmente cansaram de procurar emprego. Elas pensam ‘o mercado não está para mim’”, afirma Maria Andreia.

É o caso do paulistano João Luis Aprigliano, de 57, que mora em Curitiba (PR). Formado em Administração e pós-graduado em marketing, ele foi demitido do cargo de gestor financeiro em uma empresa de agronegócio em novembro do ano passado. Sua busca por uma recolocação no mercado durou poucos meses. A gota d’água para ele foi ter sido recusado para uma vaga de caixa de supermercado em uma rede que costuma empregar idosos. “Eu disse que me comprometeria a ficar pelo menos um ano fazendo esse serviço, se essa fosse a preocupação da empresa, já que para mim não seria demérito nenhum. Mas não fui selecionado, fiquei muito chateado.”

Aprigliano acredita que o desempregado precisa ter uma estrutura emocional muito sólida para suportar essa sucessão de negativas na hora de receber as respostas de candidaturas. “Todo dia escutar ‘não’? Uma hora você tem que dar uma parada. Foi o que eu fiz”, explica. Hoje, ele ocupa seu tempo com tarefas domésticas e ajudas pontuais que oferece a parentes e a amigos do condomínio em que mora. Seu sustento vem do dinheiro que reuniu com a venda de uma moto e um carro que tinha.
Taxa de desemprego ajustada

Se os desalentados fossem contemplados pela estatística oficial de desocupação do IBGE, o mercado de trabalho brasileiro mostraria uma situação ainda mais complicada. Segundo exercícios da 4E Consultoria, feitos os ajustes para acomodar essa força de trabalho potencial, a taxa de desemprego chegaria a 19,3% no 1º trimestre de 2017, 5,6 pontos porcentuais acima da observada pela medida tradicional.

Na abertura dos dados de desemprego por faixas etárias, o cenário também é adverso para os mais maduros no perfil “nem nem” – termo que normalmente se aplica a jovens que não estudam e tampouco têm emprego. Com a inclusão dos desalentados, a taxa de desocupação para os que têm acima de 60 anos alcançaria 11,2% no 1º trimestre deste ano, 6,6 pontos porcentuais superior aos 4,6% registrados oficialmente. Já para a faixa de 40 a 59 anos, a taxa de desocupação ajustada atingiria 11,9%, 4 pontos porcentuais acima da divulgada pelo IBGE.

“O que salta aos olhos é que, a partir do 1º trimestre de 2015, começamos a notar forte evolução do diferencial entre a desocupação e a taxa de desocupação somada à força de trabalho potencial. Minha leitura é que isso indica crescimento do desalento por conta da crise”, avalia Thiago Curado, economista da 4E Consultoria. “No caso dos mais idosos, esse movimento reflete a dificuldade de inserção no mercado. A probabilidade de contratação dessa mão de obra é muito menor.”
Questão de gênero

Além do problema do desalento, a queda gradual da participação masculina nas atividades econômicas pode estar associada a alterações nas relações de gênero. Embora a maior parte do segmento de “nem nem” maduro ainda seja constituída por mulheres, a participação delas tem mostrado queda ao longo do tempo. Esse movimento pode ser reflexo de mudanças nos papéis tipicamente desempenhados por homens e mulheres na sociedade.

A edição mais recente da Carta de Conjuntura do Ipea revela que o número de homens no contingente de desempregados vem crescendo. Em 2012, ano de início da pesquisa, o percentual era de 44%; no começo de 2017, a participação atingiu 50%.

A pesquisadora Maria Andreia Parente Lameiras salienta que a população economicamente ativa feminina tem aumentado a taxas superiores à masculina. Para completar esse quadro, a ocupações de mulheres vem subindo: na comparação do 1º trimestre de 2017 com o 1º trimestre de 2012, a população ocupada feminina teve expansão de 3,7%, ao passo que a masculina caiu 0,9%. “Esses novos empregos que estão sendo gerados de lá para cá estão sendo, em sua maioria, ocupados por mulheres”, resume.

Fonte: O Estado de S. Paulo