A União Europeia e o Japão solicitaram no final de 2013 e em 2015, respectivamente, consultas ao Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) a respeito de regimes tributários e da política industrial executada nos últimos anos.
Essas medidas foram tomada no âmbito dos programas Inovar-Auto, estabelecidos em 2012, da Lei de Informática existente desde 1991, Lei de Inclusão Digital, Padis, PADTV e na Zona Franca de Manaus (no caso europeu) e dois regimes aplicáveis a empresas exportadoras, Recap e o regime estabelecido na Lei n.º 10.637/202 para empresas preponderantemente exportadoras.
Depois de sucessivas consultas, quando o questionamento sobre a Zona Franca de Manaus foi retirado, em outubro de 2014, a União Europeia encaminhou formalmente pedido de abertura de painel na OMC para os mencionados programas. O painel foi formalmente constituído em dezembro de 2014 e sua composição, definida em março deste ano. Em seguida a União Europeia apresentou a primeira petição com questões concretas, questionando as políticas que considerou discriminatórias e contrárias à legislação da OMC. Posteriormente, em setembro, o Japão repetiu o questionamento em bases idênticas às apresentadas pela União Europeia e solicitou igualmente, em setembro passado, o estabelecimento de um painel para avaliar os programas brasileiros. Ambos os questionamentos serão examinados em conjunto e representam a maior disputa comercial que o Brasil já enfrentou.
No último dia 1.º de setembro o governo brasileiro apresentou à OMC a defesa ao contencioso no qual a União Europeia acusa o Brasil de ter projetado sua política industrial com base em medidas que violam regras do comércio internacional, tais como reduções tributárias de impostos indiretos condicionadas à utilização de insumos domésticos, isto é, aplicadas apenas para produtos nacionais que atendam a critérios mínimos de conteúdo local, na produção de automóveis e equipamentos de telecomunicações, em detrimento de produtos estrangeiros similares. A defesa brasileira, organizada pela Coordenação-Geral de Contenciosos do Itamaraty e que contou com apoio de associações industriais, procurou rebater os pontos apresentados pela União Europeia em cada um dos programas, assinalando que as isenções tributárias foram estabelecidas com o objetivo de incentivar a realização de etapas produtivas no Brasil, em linha com os objetivos da OMC de promoção do desenvolvimento econômico de seus membros. De fato, um ponto comum na defesa brasileira do Inovar-Auto e da Lei de Informática é que as reduções tributárias são concedidas em contrapartida a investimentos em pesquisa, desenvolvimento & inovação (PD&I), o que, segundo a visão do Brasil, está de acordo com as regras e os objetivos da OMC de promoção do desenvolvimento em bases sustentáveis. O Brasil enfatizou, com propriedade, que as empresas beneficiadas devem investir significativamente em atividades locais visando ao desenvolvimento de tecnologias de informação de comunicações (TIC) no País para usufruírem os benefícios fiscais.
Com efeito, a Lei de Informática – talvez a mais bem-sucedida e longeva política industrial brasileira – é decisiva para o desenvolvimento de um importante ecossistema das TICs no País, que conta com ampla gama de empresas, nacionais e estrangeiras aqui estabelecidas. Atualmente, o Brasil é o quarto maior mercado de TICs do mundo e empresas, ao aderirem à Lei de Informática, geram empregos, renda, desenvolvimento e capacitação no País.
Em sua defesa, o Brasil pontuou também que os programas questionados não são discriminatórios. As empresas europeias estabelecidas no Brasil estão entre as maiores beneficiárias dos programas – tanto do Inovar-Auto como da Lei de Informática. As atividades das empresas europeias e japonesas estão diretamente relacionadas aos benefícios fiscais recebidos pelo comprometimento duradouro com a política industrial do Brasil.
No caso da Lei de Informática, a balança de comércio do setor de TICs do Brasil tem déficit anual aproximado de US$ 40 bilhões. Isso decorre da demanda por insumos importados e componentes asiáticos, que são parcela integrante do processo produtivo de agregação de valor no Brasil por parte das empresas beneficiadas pela Lei de Informática. Na hipótese do pior cenário – de desfecho desfavorável ao Brasil na OMC, que venha a impor alterações essenciais à Lei de Informática –, dificilmente empresas de TICs estabelecidas no nosso país, nacionais e estrangeiras, terão condições de manter suas atividades produtivas no território nacional. Além do fechamento de milhares de postos de trabalho e da redução da importação de insumos nessa área, teríamos reduções importantes dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, dificultando ainda mais a inserção do Brasil nas cadeias globais de valor do setor de TICs.
Prevê-se que o resultado do exame final (depois da possível apelação do Brasil) pelo painel constituído para julgar o pedido europeu e o japonês deverá ser anunciado somente em 2017. Nesse contexto, parece irrealista a demanda da indústria automobilística de prorrogação do programa Inovar-Auto depois de 2017.
Sem prejulgar as conclusões do painel, parece evidente que se torna urgente a revisão completa dos mecanismos de apoio à indústria feitos de forma desarticulada e, mais recentemente, recheados de medidas temporárias que visavam a compensar a perda de competitividade dos produtos nacionais pela alta do “custo Brasil”. A definição de uma verdadeira política industrial, com metas para serem cumpridas, deveria acompanhar pari passu a discussão das reformas microeconômicas com o objetivo de reinserir o Brasil nos fluxos dinâmicos do comércio e das cadeias de alto valor agregado.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP