No ano passado o déficit da previdência rural foi de R$ 82 bilhões, consumiu o superávit de R$ 25,5 bilhões da previdência urbana e produziu resultado negativo de R$ 56,7 bilhões do INSS. A previdência dos servidores federais, com apenas 1,9 milhão de beneficiários, menos de 10% dos pouco mais de 27 milhões de benefícios distribuídos pelo INSS, teve déficit ainda maior, de R$ 63,4 bilhões; e a dos funcionários de governos estaduais, de R$ 50,9 bilhões. Neste ano, o déficit do INSS deve ficar entre R$ 82 bilhões a R$ 88 bilhões e pode superar os R$ 100 bilhões em 2016.
A MP 676 apenas empurrou com a barriga esse desafio crescente e já nasceu com o prazo de validade vencido, segundo críticos. Sua raiz está em uma emenda feita de última hora na MP 664, que criou a fórmula 85/95 para o cálculo da aposentadoria como alternativa ao fator previdenciário, lançado em 2000. Pela fórmula 85/95, as mulheres podem pedir aposentadoria integral assim que a soma da idade e do tempo de contribuição atingir 85; e os homens, 95 – desde que o tempo de contribuição seja de 30 anos e 35 anos, respectivamente.
A presidente vetou essa emenda e remodelou a proposta na MP 676, mantendo a fórmula 85/95 como alternativa ao fator previdenciário, mas introduzindo a correção futura dessa tabela, que aumentará gradualmente até atingir 90/100 a partir de 2022. Segundo o governo, sem uma progressão para os anos futuros, a regra 85/90 poderia provocar um rombo de centenas de bilhões de reais na Previdência em 2030, por ignorar o processo de envelhecimento acelerado da população e o aumento crescente da expectativa de vida.
Há quem diga que mesmo a fórmula 90/100 será insuficiente para evitar a debacle da Previdência diante da transformação demográfica pela qual passa o país. O percentual da população acima de 65 anos vai dobrar nos próximos 20 anos para 14%. Para enfrentar essa mudança, a saída seria mesmo fixar uma idade mínima de aposentadoria, como faz a maioria dos países.
Essa não é a única questão. A MP 676, que seguiu para apreciação da Presidência da República após ser aprovada pelo plenário do Senado na primeira semana de outubro nos mesmos termos da proposta votada pela Câmara dos Deputados no fim de setembro, inclui alguns pontos que contrariam posições do governo. Um deles é a autorização da desaposentação, que permite o recálculo da aposentadoria para quem continuar a trabalhar e a pagar o INSS depois de se aposentar, desde que tenha feito pelo menos 60 contribuições. Caso entre em vigor, causará bilhões de reais em novas despesas ao INSS. O tema também está em discussão no Supremo Tribunal Federal desde 2003, com um recurso com votação empatada e pendente de decisão.
Os problemas não param por aí. A MP contém medida que regulamenta o recebimento do seguro – desemprego pelo trabalhador rural e do seguro – defeso pelos familiares que apoiam o pescador artesanal, dois pontos que estão entre os que devem passar por revisão. Questiona-se o fato de o trabalhador rural se aposentar com menos idade do que o urbano. Além disso, há suspeitas de que os números dos elegíveis aos dois benefícios e ao auxílio-doença estejam inchados por fraudes. O próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já observou que a população rural corresponde a 9% da PEA do Brasil, mas as aposentadorias rurais representam mais de um terço dos benefícios. O número de benefícios do seguro defeso supera o de pescadores registrados no país.
Não são, portanto, apenas a queda da arrecadação e as dificuldades de se aprovar a criação da CPMF que complicam a administração da Previdência Social. O sistema está inviável e mais se assemelha a uma bomba de efeito retardado, pronta para explodir, se não passar por uma reforma geral dentro de pouco tempo.
Fonte: Valor Econômico