Perda de fôlego dos programas de educação financeira e aumento do desemprego e da inflação explicam o movimento
O salto do emprego e da renda impulsionou a participação das mulheres no mercado financeiro a partir de 2002 – ajudando a reduzir o abismo entre gêneros no mundo dos investimentos. Mas a crise internacional, somada à instabilidade interna, freou esse avanço.
Segundo dados da BM&FBovespa, a participação das mulheres no mercado acionário saltou de 17,6% em 2002 para 24,2% em 2015, o equivalente a quase 120 mil novas investidoras. No caso do Tesouro Direto, o número cresceu 162 vezes, ao passar de 689 para 111,7 mil.
No entanto, desde a crise de 2008, a relação entre homens e mulheres está praticamente estável. Além do balde de água fria jogado no mercado com as perdas de “queridinhas” como Petrobrás, Vale e empresas do setor elétrico, o cenário recessivo e a inflação no Brasil diminuíram a renda disponível para investir. “No último ano, muitos têm usado o dinheiro que ganham apenas para pagar contas”, diz o analista da XP Investimentos André Moraes.
As mulheres são especialmente afetadas: o desemprego entre elas chegou a 9,6% no primeiro trimestre, enquanto entre os homens a taxa ficou em 6,6%, segundo dados da Pnad Contínua. E, em um cenário em que elas ganham 31,7% menos que os homens, o aumento de gastos pesa ainda mais no orçamento.
Autora do livro “A Bolsa Para Mulheres”, Sandra Blanco criou em 2004 um clube de investimento apenas para o público feminino. Depois de atingir o máximo de 148 cotistas, o clube acabou. “A crise fez muitas cotistas pararem de fazer aportes e sacarem o dinheiro”, conta. Outro clube feminino de investimento que sentiu os efeitos da crise foi o Meninas Iradas, criado em 2007 pela corretora Geração Brasil. O número atual de cotistas (569) é inferior ao registrado no ano de abertura (633) e metade do pico de 2009 (1.122).
Apesar da onda de pessimismo, a empresária fluminense Gabriela Folly, de 30 anos, buscou se informar para fugir da poupança e investe em ações há três anos. “É preciso conhecer bem para aplicar corretamente e entender que é um investimento de longo prazo”, diz.
Educação financeira. “A mulher precisa de um tratamento diferenciado, pois demora mais para ser convencida. Mas com a informação em mãos, se torna um investidor de longo prazo”, diz Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora. Para Patrícia Oliveira, diretora da FN Capital, o ponto em comum desse público é não se abalar diante da volatilidade: “Os homens ficam mais preocupados quando veem oscilação.”
Segundo Magliano, parte da estagnação no avanço das mulheres é explicada pela redução de programas educacionais voltados exclusivamente a elas.
Até 2008, havia um frenesi para atrair esse público, mas a crise prejudicou até isso. Um desses projetos era a Expo Money, feira de investimentos que foi extinta em 2013. Com espaços exclusivos para as mulheres, o público feminino passou de 17% em 2003 para 35% em 2009.
Outro programa extinto, o Belas na Bolsa, da corretora Link Trade, promovia palestras em várias cidades para mulheres que queriam investir em ações. A própria BM&FBovespa organizava palestras, visitas a empresas e participava das feiras. Muitas dessas ações acabaram ou foram reduzidas.
A Bolsa afirma que alguns programas ganharam novos direcionamentos, mas diz que seu instituto continua oferecendo cursos gratuitos, com turmas só de mulheres.
Para Sandra Blanco, a retomada desses projetos é essencial, mas a economia precisa fazer a sua parte. “Há um pessimismo muito grande. É preciso ter algum sinal de melhora”, afirma.