Inflação, desemprego e juros forçam brasileiros a cortarem gastos

O desemprego, a renda corroída pela alta da inflação e o aumento das taxas de juros fizeram os brasileiros pisarem no freio dos gastos em 2015, levando as despesas de consumo das famílias a caírem 4% em relação ao ano anterior, o maior recuo da série histórica da pesquisa, iniciada em 1996 pelo IBGE. Essa queda foi determinante para a retração de 6,5% da demanda doméstica brasileira, que inclui, além do consumo das famílias, os gastos do governo, os investimentos e tudo o que foi importado, descontando o que foi exportado. É a primeira redução desde 2000, segundo o IBGE. Nem em 2009, quando o Brasil entrou em recessão, o país tinha reduzido sua demanda doméstica. Essa queda ultrapassou 10,1% no quarto trimestre de 2015 frente ao mesmo período de 2014, mostrando que a recessão ficou mais profunda no fim do ano passado:

 ‘Os preços estão excessivos’

— O dado que mais chamou a atenção no PIB foi a queda da absorção doméstica. Essa queda na demanda interna, aliada à desvalorização do real, acabou levando as indústrias a importarem menos, ajudando, ao menos, o setor externo a contribuir positivamente para o PIB — afirma Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Dado o peso no resultado geral do Produto Interno Bruto (PIB), que é sempre superior a 60%, o consumo das famílias historicamente caminha junto com o desempenho da atividade econômica. Ano passado, caiu 4%, e o PIB, 3,8%, ressalta a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.

— O consumo das famílias caiu devido a vários fatores, como aumento dos juros e da inflação — ressalta Rebeca.

Rafael Bacciotti, economista da Tendências Consultoria, aponta os demais fatores que levaram à retração:

— Queda da confiança, deterioração do mercado de trabalho e escassez de crédito contribuíram para reduzir o consumo.

No supermercado, o aeroviário Carlos dos Santos Júnior, de 25 anos, ajuda a mãe, Maria Lúcia Corrêa, diarista, de 63 anos, a guardar as compras. O carrinho, conta ela, já esteve mais cheio, agora, carrega os produtos mais baratos e as promoções.

— Os preços estão excessivos. Houve um aumento de um ano pra cá e está tudo muito caro. Aliás, tem aumento toda semana — queixa-se Maria Lúcia.

A família diz ter sentido o aumento de preços, principalmente, nos alimentos e em produtos de limpeza. O amaciante, por exemplo, foi cortado da lista:

— Estou comprando o que está mais barato agora. E acho que a tendência é os preços piorarem — teme a diarista.

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, a queda de confiança do consumidor, que bateu recordes negativos em 2015, é um dos agravantes que resultaram no recuo recorde do consumo:

— É claro que o consumo caiu, pois, com a queda de renda, além de desemprego e contração do crédito, você vai acuando as famílias e as empresas com esse cenário incerto.

Mais retração em 2016

Felipe Salles, da equipe de economistas do Itaú, acredita que o consumo continuará em queda, mas num ritmo menos intenso:

— Estamos vendo sinais bem incipientes de estabilização à frente porque a confiança dos empresários está estável, o estoque nas indústrias vai começar a diminuir, e isso vai ter efeito no mercado de trabalho, que terá um declínio menor, o que pode ter reflexo positivo na renda.

Para Salles, o recuo da demanda doméstica é sinal de uma piora generalizada de indicadores:

— Isso mostra que a queda é praticamente geral. A queda de investimento reflete incerteza, um ambiente externo difícil. E o consumo do governo reflete os ajustes que estão sendo feitos. Esse recuo impacta, ainda, em dois setores que dependem basicamente de demanda, que são indústria e serviços, que também apresentaram queda.

O menor poder de compra contribuiu para derrubar o desempenho do comércio em 2015, que registrou o maior recuo da série iniciada em 1996.

— Com a renda afetada, as famílias não foram ao comércio nem aos serviços. Este ano, a tendência é de novas quedas, mas em patamares menores. Teremos um ano menos pior — avalia o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas.

O economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, ex-professor da USP, destaca, ainda, a queda do poder aquisitivo e o alto endividamento, após o forte estímulo ao crédito dos últimos anos.

— O consumo das famílias caiu, em primeiro lugar, pelo boom de consumo anterior que foi alimentado por expansão de crédito. Isso, inevitavelmente, iria se reverter, porque as famílias não conseguem se endividar mais. A segunda razão é a queda do salário real em função da depreciação cambial. O poder de compra dos trabalhadores está relacionado não à inflação oficial, mas à taxa de câmbio em termos reais, que teve uma depreciação significativa. Então, as duas razões que derrubaram o consumo eram previsíveis.

O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro mostra a dimensão da crise econômica que o país vive. Já são dois anos consecutivos de queda — 0,8% em 2014 e 4,6% em 2015 —, e novas reduções podem fazer o país se aproximar de uma depressão, quando há recuo da renda per capita de 15% em um período de até três anos.

Economista-chefe da LCA Consultores, Braulio Borges aponta que o PIB per capita já caiu 8% entre o segundo trimestre de 2014 — quando começou a recessão — e o fim do ano passado. Considerando uma projeção de retração de 3% do PIB em 2016, haveria nova redução da renda per capita, de 3,8%.

— Com isso, a queda do PIB per capita seria próxima a 12%, beirando uma depressão, ainda que não se possa dizer claramente que é. Estudos mostram que a depressão seria uma perda do PIB per capita acumulada entre um e três anos — explica Borges.

UMA DÉCADA DE ESTAGNAÇÃO

Pelas contas de Paulo Levy, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a perspectiva é de estagnação por uma década. Ele espera que, em 2016 e 2017, a renda per capita continue em queda.

— Há perspectiva de quedas mais acentuadas, em um PIB per capita que vem estagnado desde 2010. Um dado bastante preocupante — afirmou Levy.

No cálculo do economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, o tombo do PIB per capita será de 10% entre os anos de 2014 e 2016. Para tanto, ele projeta para este ano um recuo semelhante ao registrado em 2015:

— É uma perda dramática, que normalmente ocorre quando há guerra ou conflitos internos. Não é normal que uma economia estabilizada institucionalmente tenha uma queda tão dramática, com consequências gravíssimas.

Segundo Kawall, a retração do PIB per capita nos anos 80 foi de 0,3%, na média anual. Pelas projeções do Banco Safra, o desempenho da atual década deve ser de um recuo médio anual de 0,2%.

População mais pobre

O economista-chefe do Santander, Maurício Molan, também estima uma queda de 10% do PIB per capita, mas em um período mais longo, entre 2014 e 2017. Em palestra proferida na quarta-feira, durante a apresentação do prêmio CNH de Jornalismo Econômico, Molan usou o PIB per capita para mostrar a extensão da recessão brasileira.

O indicador, segundo André Gamerman, da Opus Gestão de Recursos, mostra que a população está empobrecendo:

— É o dado mais importante para a população. Em 2016, a população vai crescer ainda, e o PIB vai cair, então é quase certeza que o PIB per capita vai cair também. Em 2017, talvez tenhamos a economia crescendo, mas ainda assim o PIB per capita deve cair.

Já o economista Sergio Vale, da MBA Associados, destaca a perda de ganhos sociais conquistados no passado:

— Não é um recuo trivial. E vamos ter impacto disso nos indicadores gerais de renda, na piora do Índice de Gini, diminuição da classe média, aumento dos índices de pobreza. Vamos continuar vendo isso em 2016. Esse governo está conseguindo reverter os ganhos sociais do passado.

Cálculo da LCA Consultores mostra que, se a recuperação da economia brasileira seguir uma trajetória semelhante à média das duas recessões mais longas — 1981/1983 e 1989/1992 —, o impacto no PIB per capita pode ir até 2019, pelo menos. Apenas neste ano, o PIB per capita retornaria ao mesmo nível observado no início de 2014. A estimativa considera retração de 4% do PIB em 2016 e altas de 1,5% em 2017, 4,5% em 2018 e 6% em 2019.