Pesquisa alerta para variações de temperatura, pluviosidade e nível do mar
Além de elevar a temperatura, as alterações do clima vão colocar a saúde da população à prova. Na América Latina, ondas de calor podem aumentar a mortalidade de idosos nas próximas décadas. As precipitações multiplicariam a incidência de enfermidades transmitidas por vetores, como malária e leishmaniose, inclusive em metrópoles onde já haviam sido erradicadas. A dengue, um mal comum nos meses mais quentes, teria casos registrados durante o ano inteiro. As localidades sem chuvas, por sua vez, registrariam uma quantidade preocupante de doenças cardiorrespiratórias e asma. O alerta é da Rede de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Urbanas, um órgão internacional que instalou ontem, na Fiocruz, no Rio, a sua sede latino-americana. Os dados fazem parte de um relatório que será divulgado em dezembro, na Conferência do Clima em Paris.
A Rede mapeou como as mudanças climáticas devem alterar o cenário de cem cidades no mundo. Seu diagnóstico é que a temperatura global pode subir de 1 a 4 graus Celsius. O índice de precipitação pode variar radicalmente, com aumento de até 25% ou redução de aproximadamente 20%, dependendo do centro urbano.
CLIMA MAIS QUENTE NO RIO
Uma das 14 cidades latino-americanas já analisadas pelos pesquisadores, o Rio pode registrar um aumento de até 3,4 graus Celsius em sua temperatura média nos próximos 65 anos. Em 2080, o nível do mar pode crescer entre 37 e 82 centímetros. A variação de precipitações ainda é enigmática — pode diminuir 4% ou aumentar 6%.
— É tarde demais para eliminar completamente os efeitos das mudanças climáticas. O que podemos fazer é diminuir sua magnitude — pondera a americana Cynthia Rosenzweig, uma das diretoras globais da Rede. — Todas as cidades estão sob estado crítico, cada uma à sua maneira. A intensidade das ondas de calor é um dos principais problemas, especialmente se considerarmos os seus efeitos sobre o organismo dos idosos, a população mais vulnerável.
José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), admite que o governo federal precisa investir em um programa de monitoramento de estresse térmico.
De acordo com o especialista, acreditava-se que, como o Brasil é um país tropical, as maiores catástrofes seriam ligadas ao excesso de chuvas ou à escassez, mas não a prolongados períodos com temperaturas acima da média.
— É provável que o aumento das temperaturas registrado pelo estudo seja ainda mais agravado em metrópoles como Rio e São Paulo, considerando o crescimento destas cidades e a devastação de biomas como a Mata Atlântica.
Outro desafio às autoridades será o ressurgimento de enfermidades em regiões onde já estavam “extintas”.
— A malária, que é comum na Amazônia, pode aparecer novamente em cidades do Centro-Sul do país — revela. — O governo precisa investir em controle sanitário para limitar este movimento.
Mesmo doenças conhecidas pela população urbana podem aumentar de intensidade. As enchentes e o aumento da temperatura favorecerão a ocorrência de leishmaniose, uma enfermidade hoje restrita às regiões mais pobres, e farão do inseto Aedes aegypti uma figurinha ainda mais carimbada nas cidades.
Presidente do Instituto Pereira Passos, que cuida do planejamento urbano do Rio, Sérgio Besserman já constata o aumento da presença do Aedes.
— Antigamente só víamos o inseto entre novembro e março. Agora, ele está na cidade entre setembro e abril. Em breve, poderemos encontrá-lo o ano inteiro, porque haverá temperaturas propícias para sua proliferação até no inverno — avalia o economista. — Temos pela frente a junção de um megafenômeno El Niño com a projeção de que este será o ano mais quente da História. O verão será totalmente imprevisível, algo sem registros em nossa História.
Besserman assegura que a cidade está se preparando para os estragos que as mudanças climáticas poderão provocar a longo prazo. A revitalização da Zona Portuária, por exemplo, foi concebida de forma a tolerar a elevação do nível do mar calculada até meados deste século.
No entanto, as cidades não conseguirão evitar totalmente os eventos climáticos extremos. Por isso, Martha Barata, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz e coordenadora do Núcleo da Rede na América Latina, considera que o risco iminente — ou mesmo os danos após as catástrofes — pode levar a doenças como depressão e estresse. Estas enfermidades têm um impacto direto na economia, porque diminuem, por exemplo, o número de dias de trabalho.
— Precisamos de políticas públicas voltadas para a redução do impacto do clima na população. Outros setores, porém, também devem ser engajados, como o de transportes e da construção civil, para criarmos prédios mais arejados — diz ela.