A crise de 2008 e o aumento do desemprego foram combustível para as dezenas de reformas trabalhistas observadas em praticamente todos os continentes na última década. De forma geral, as mudanças na lei privilegiaram as formas mais flexíveis de contrato – temporários, com prazo determinado – e diminuíram a proteção aos trabalhadores. Apesar das características semelhantes, o efeito líquido dessas mudanças sobre a geração de emprego, ou na precarização das condições de trabalho, é difícil de mensurar, avaliam especialistas.

Na Espanha, por exemplo, depois da reforma de 2012, o desemprego recuou, mas o trabalho temporário – considerado mais precário que o contrato por tempo indeterminado – cresceu, enquanto a massa salarial caiu. O quadro em Portugal é semelhante, a não ser pela dinâmica dos salários, que cresceram em termos reais no ano passado pela primeira vez desde 2013. No México, as mudanças, que também completam cinco anos, não geraram os 400 mil empregos anuais esperados pelo governo, mas o trabalho independente, sem contrato direto com a empresa, também não aumentou.

Com grande oposição dos sindicatos, a Itália aprovou uma versão diluída de sua reforma em 2015. A França passou por um processo parecido no ano passado, quando a proposta sofreu oposição violenta nas ruas. No Chile, entrou em vigor no início de abril a lei que modifica as relações entre empresas, funcionários e sindicatos.

Portugal reformou suas leis trabalhistas no prazo de cinco anos, de 2011 a 2015. As mudanças foram uma exigência de órgãos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) como contrapartida ao socorro financeiro dado depois da crise de 2008. De 2011 a 2016, a taxa média de desemprego no país recuou de 12,7% para 11,1%.

No ano passado, o volume total de portugueses empregados cresceu 1,2% em relação a 2015, conforme o Instituto Nacional de Estatística (INE). A alta, contudo, foi puxada pelo avanço de 2,6% dos contratos “com termo”, com prazo definido, e pelo aumento de 8,4% das admissões com “outros tipos de vínculo”, que incluem os prestadores de serviço.

A geração de emprego em Portugal, ainda que em categorias mais precárias, contribuiu para reduzir o número de subempregados e de inativos que gostariam de trabalhar, em 5,3% e 8,5%, nessa ordem. O desemprego de longa duração também recuou, e os salários, na média anual, tiveram a primeira alta real desde 2013 (0,6%).

Na Espanha, cinco anos depois da reforma no Estatuto de los Trabajadores, feita em 2012 – e classificada pelo então ministro da Fazenda Luis de Guindos como “extremamente agressiva” -, a taxa de desemprego também caiu, de 24,8% para 18,5% no fim de 2016.

Nos últimos dois anos, o país gerou 800 mil novos empregos, muitos deles à custa do trabalho temporário, que avançou de 14,8% para 26,5% do total de contratados no mesmo intervalo, conforme o Instituto Nacional de Estadística (INE), e da redução dos salários. Em 2011, a “encuesta de estructura salarial” feita pelo INE registrava o salário médio anual do espanhol em € 25.999,87. Em 2015, esse valor era quase € 800 menor, uma queda nominal de 3%.

“A qualidade da geração de emprego também depende do crescimento econômico”, pondera Holger Bonin, coordenador do “think tank” alemão Institute of Labor Economis (IZA), para justificar por que não se pode afirmar categoricamente que a criação de vagas de pior qualidade nesses países é reflexo das reformas.

Por outro lado, ele ressalva, o atual bom desempenho do mercado de trabalho de seu país, a Alemanha, também não pode ser atribuído apenas às grandes mudanças na legislação trabalhista, as chamadas reformas “Hartz”, conduzidas pelo ex-chanceler Gerhard Schröder em 2004.

Em meados dos anos 90, quando o país ainda sentia as dores da reunificação e a taxa de desemprego passava de dois dígitos, sindicatos e empresas entraram em acordo e definiram, por exemplo, que os salários poderiam ser flexibilizados em períodos de dificuldade, quando as companhias não tivessem condições de conceder reajustes. A redução dos custos do trabalho decorrente dessa medida, na avaliação do economista, foi fundamental para que as exportações alemãs ganhassem competitividade e levassem o país ao patamar em que está hoje.

Já o acordo para acumular banco de horas que pudesse ser usado em momentos de queda na demanda, ele acrescenta, foi decisivo para que o mercado de trabalho alemão resistisse à crise de 2008. Entre março de 2005 e março deste ano, a taxa de desemprego caiu à metade, de 12,7% para 6%.

“Nada disso foi feito por mudanças na legislação ou nas instituições. Foram as próprias instituições que tomaram a frente”, diz ele, que considera os sindicatos alemães menos “ideológicos” do que os de vizinhos como Itália e França.

No México, as mudanças aconteceram na esteira das “reformas estruturais” feitas pelo presidente Enrique Peña Nieto quando assumiu, em 2012. Foram regulamentadas a terceirização e as modalidades mais “simples” de contratação, como trabalho temporário, home office e aquele pago por hora. Os 400 mil empregos adicionais por ano prometidos, contudo, não vieram.

Embora o país tenha aberto no ano passado 843 mil postos formais – e outros 710 mil em 2015 -, não mais que 20% desse total foi “favorecido” pelas mudanças na legislação, calcula o diretor do Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Monterrey, Raymundo Tenorio.

“A reforma por si mesma não gerou emprego. O que contribui [para a criação de vagas] é o crescimento da economia, são os incentivos do governo à formalização, as outras reformas”, diz, referindo-se, por exemplo, à reforma tributária. Beneficiado por um ciclo de crescimento, o México registra há alguns anos nível mínimo de desemprego. Em março, a taxa chegou a 3,2%.

Se não elevaram o nível de ocupação, as mudanças na legislação foram importantes para diminuir as disputas judiciais, afirma Tenorio. Outro ponto positivo, destaca, foi que, mesmo com a facilitação das contratações mais instáveis, a participação do trabalho independente, sem vínculo direto com a empresa, não aumentou. Dados do Instituto Nacional de Ocupación y Empleo (Inegi) mostram que, em março, o percentual de trabalhadores por conta própria era de 22,1%, contra 23% dois anos antes. “As empresas procuram cada vez mais trabalhadores qualificados”, justifica.

O professor da Faculdade de Direito da USP e sócio da área trabalhista do Siqueira Castro Advogados Otavio Pinto e Silva afirma que a tendência das novas reformas é regulamentar formas “atípicas” de contrato e valorizar a negociação coletiva. Em sua avaliação, as mudanças não necessariamente geram maior precarização do mercado de trabalho. “O trabalhador tem proteção, mas ela é sem dúvida mais limitada, justamente porque os contratos são mais curtos”, ressalva.

Em países como Índia e Colômbia, estudos mostram que o nível elevado de proteção laboral tem efeito negativo sobre o emprego, dizem os economistas do Bradesco Ana Maria Barufi e Estevão Scripilliti. No primeiro caso, foi verificado que as empresas, em um primeiro momento, tendem a burlar a fiscalização, reduzindo o efeito das medidas de proteção. Uma vez implementadas as regras, o nível de emprego foi afetado negativamente. A Índia é um dos países com maior nível de informalidade, 84,7% do total de ocupados, de acordo com o Banco Mundial.

Em relatório, os autores destacam ainda que, quanto maior o nível de proteção, maior tende a ser o tempo para que o mercado de trabalho absorva eventuais choques negativos da economia – quando há crise, o desemprego tende a ficar elevado por mais tempo.

O Brasil ocupa posição “intermediária” entre países com nível semelhante de desenvolvimento econômico na lista criada pela OCDE para mensurar o rigor da legislação trabalhista associado à dificuldade de realizar demissões individuais e coletivas de trabalhadores permanentes. “Mas essa lista pode estar sujeita a críticas, pois compara instituições bem diferentes dos países”, pondera Ana Maria, referindo-se ao mercado informal, que não está contemplado nessa medida.

A informalidade, aliás, ao lado de outras características específicas de cada país – normas complementares e ciclos econômicos “desfavoráveis” – tornam difícil mensurar com precisão o efeito das reformas, dizem os economistas do Bradesco.

Na Europa, acrescenta Pinto e Silva, o aumento do trabalho temporário, por exemplo, é incentivado pelas regras que valem para outro tipo de contrato, aquele sem prazo. Ao contrário do Brasil, em muitos países do continente não há demissão sem justa causa – o empregador precisa ter como justificar o fim dos contrato de trabalho por tempo indefinido. “Lá é mais difícil mandar embora.”

 

Fonte: Valor Econômico e Assessoria de imprensa da Força Sindical