Além de causar a perda do grau de investimento brasileiro pela Fitch, a rápida deterioração do cenário político e econômico fez com a agência de classificação de risco revisse para baixo suas projeções para o desempenho do país neste ano e em 2016.
Agora, a agência espera que o governo termine o próximo ano com deficit primário (quando despesas superam receitas, antes mesmo do pagamento de juros da dívida) de cerca de 1% do PIB, diz Shelly Shetty, diretora sênior de ratings soberanos. Com isso, a dívida brasileira deve ultrapassar os 70% do PIB no próximo ano, afirma.
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Folha – Qual foi a gota d’água para que a Fitch retirasse o grau de investimento do Brasil?
Shelly Shetty – Claramente, o cenário brasileiro vem se deteriorando de forma bastante rápida –a Fitch, inclusive, rebaixou o Brasil duas vezes em 2015. A situação está bastante dinâmica, mas sob um ponto de vista negativo.
O rebaixamento levou em consideração uma recessão econômica que está se aprofundando, a deterioração contínua da situação fiscal e a maior incerteza trazida pelo início do processo de impeachment –que pode reduzir ainda mais a capacidade do governo e do Congresso de adotar as medidas necessárias para consolidar a situação fiscal.
A agência projeta o resultado do impeachment? Considera algum melhor ou pior?
O resultado de procedimentos como este é bastante difícil de prever, e eles só causam mais incerteza política e não ajudam a aumentar a confiança no país. Ainda é cedo para dizer o que vai acontecer com o impeachment, vamos avaliar a situação quando chegarmos lá. Mas teremos que reavaliar a nova realidade política e econômica, uma vez que o processo for concluído, para saber se ela beneficia a implementação das políticas.
Quais são as projeções da Fitch para o Brasil agora?
A trajetória fiscal chegou a um ponto que passamos a acreditar que o Brasil não apenas terá deficit primário neste ano, mas continuará a ter deficit em 2016. Esperamos resultado negativo nas contas do governo de cerca de 2% do PIB em 2015, e perto de 1% do PIB no ano que vem. A economia deve contrair 3,7% neste ano e de 2,5% em 2016.
Aliados, esses dois fatores vão fazer com que a dívida do governo ultrapasse os 70% do PIB no ano que vem, segundo nossas projeções. Esse valor está bem acima da média dos países que tem grau de investimento hoje pela Fitch, de por volta de 40% do PIB. E não estamos vendo sinais de estabilização da dívida.
Podemos ter outro rebaixamento da nota em 2016?
Bom, mudamos nossas projeções econômicas e fiscais para níveis bem mais baixos e elas foram incorporadas nesse corte.
Dito isso, a classificação do país tem hoje perspectiva negativa, o que sugere que há pressões sobre a nota.
Em geral, quando a perspectiva é negativa, tomamos decisões em um período entre 12 e 18 meses. Agora, o que pode levar a um novo rebaixamento é uma situação em que você tem uma recessão mais profunda e prolongada, que prejudique a dinâmica ainda mais ou leve a uma maior instabilidade política e social. Ou um cenário em que o governo não consiga lidar com o aumento da dívida.
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HISTÓRICO
O rebaixamento ocorre uma semana depois de a agência Moody’s colocar a nota do país em revisão para rebaixamento. A Moody’s rebaixou o país em agosto, colocando-o no último nível do grau de investimento -atestado de que é um bom pagador de suas dívidas.
Em setembro, a agência S&P já havia colocado a nota do Brasil em grau especulativo, questionando o comprometimento e coesão do governo para arrumar as contas públicas.
A S&P foi a primeira agência de classificação de risco a elevar o Brasil ao chamado grau de investimento, em abril de 2008, no segundo mandato do presidente Lula. Depois, Fitch (maio de 2008) e Moody´s (setembro de 2009) também deram a mesma chancela ao Brasil.
O selo de bom pagador, que é um reconhecimento de que o país é um lugar seguro para os investidores, costuma ser exigido por fundos de investimento e de pensão bilionários para aplicar em títulos de dívida de governos. Normalmente, pedem que a aplicação seja considerada grau de investimento por, pelo menos, duas das grandes agências.
Além disso, quanto melhor a classificação, menor o custo da dívida para o país.
GRAU DE INVESTIMENTO
O grau de investimento é uma condição atribuída por agências internacionais de classificação de risco a papéis, empresas ou países para definir que se trata de um investimento seguro -ou seja, com baixo risco de calote.
As três agências risco de maior visibilidade no mundo são a Standard & Poor’s, a Moody’s e a Fitch Ratings.
O segundo mandato de Dilma Roussef
E EU COM ISSO? A NOTA E SEU BOLSO
1 O que é a nota de risco?
Uma avaliação da capacidade de países ou empresas para pagar suas dívidas
2 Quem faz a avaliação?
As chamadas agências de rating. As três principais são a S&P, a Moody’s e a Fitch
3 Quais os critérios de avaliação?
O principal, no caso de um país, é o estado das contas públicas, ou seja, se o governo conseguirá manter seus gastos menores que as receitas para permitir o pagamento dos empréstimos
4 Qual a situação do Brasil?
O país deve fechar o ano com rombo nas contas públicas pela segunda vez consecutiva. A dívida pública brasileira, como porcentagem do PIB, é crescente
5 Como estão as notas de risco brasileiras?
A agência S&P já havia tirado do Brasil em setembro o grau de investimento (selo de bom pagador), colocando o país no grupo de países com grau especulativo (mais risco de calote). A Moody’s colocou a nota do país em revisão para possível rebaixamento
6 Por que a Moody’s vai revisar a nota?
A agência afirmou que as condições econômicas e a governabilidade pioraram rapidamente, o que reduz a capacidade de o governo poupar para pagar sua dívida
7 Qual o problema de perder o grau de investimento?
- Quanto mais baixa a nota de um país ou empresa, mais altos são os juros exigidos pelos credores para conceder crédito
- Como consequência do aumento dos juros e da saída de investidores, a recessão se agrava, a dívida tende a subir e o dólar fica ainda mais caro, pressionando a inflação
8 O que acontece quando o país perde o grau de investimento em duas agências?
O rebaixamento por duas agências de classificação de risco significa retirada de recursos investidos no Brasil, já que parte dos grandes fundos de investimento exige o selo de pelo menos duas agências para manter suas aplicações.