Relatório critica papel de tomada de decisões de entidades filantrópicas como a Fundação Bill e Melinda Gates
O relatório alerta que o regime desta governança multiparticipativa baseia-se na premissa de marginalizar os governos, inserindo os interesses corporativos das transnacionais diretamente no processo global de tomada de decisões e ignorando a responsabilidade delas. “Não existem normas de responsabilidade ou de prestação de contas para as entidades globais de múltiplas partes interessadas. A multiplicidade de organismos estratificados ‘supervisionando’ o programa de múltiplos intervenientes da Covax torna extremamente difícil saber quem tem mesmo obrigações morais, embora a Covax tome as decisões mais importantes para as vidas de centenas de milhões de pessoas”, consta no relatório.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a coordenadora do Programa de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Amigos da Terra Internacional e co-editora do relatório, Letícia Paranhos de Oliveira, afirma que como todo órgão de múltiplas partes interessadas, existem partes reais e partes ignoradas.
“No caso da Covax, a Fundação de Bill Gates e outros setores que representam as empresas transnacionais e os setores farmacêuticos são as partes reais e que de fato estão gestionando a entidade, desviando os fundos públicos que são oriundos (78%) de governos para interesses capitalistas. Enquanto que nas partes ignoradas figura a Organização Mundial da Saúde que, de fato, não tem voz nem poder de decisão”, avalia Oliveira.
“Covax não é solução real para a distribuição das vacinas, não é resposta para a crise sanitária que atravessamos. Pelo contrário, além de representar riscos sanitários por apenas resolver questões de mercado, também representa um grande passo na captura da governança global, na tomada de controle das empresas nos espaços de decisão sobre a vida das pessoas”, acrescenta a pesquisadora.
Quebra das patentes para salvar a vida da população mundial
A Amigos da Terra entende que a saúde é direito e não mercadoria e, por isso, defende a quebra das patentes. Nesse momento tramita uma proposta da Índia e da África do Sul no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) para suspender a propriedade intelectual de maneira temporária, enquanto durar a pandemia.
As patentes dão às transnacionais farmacêuticas o poder de determinar quais os países recebem ou não as vacinas. Com a quebra das patentes, muitos outros laboratórios poderiam produzir vacinas, aumentando a disponibilidade desse insumo fundamental para evitar mortes globalmente.
“Direito à saúde é um dos direitos humanos primordiais, por isso lutamos por um tratado juridicamente vinculante em matéria de direitos humanos e empresas transnacionais no âmbito das Nações Unidas, porque a saúde, assim como outros direitos, deve prevalecer acima dos lucros das transnacionais. Por isso, lutamos por regras para as empresas e direitos para os povos”, defende Letícia Paranhos.
O relatório foi publicado originalmente por Friends of the Earth International e Transnational Institute e adaptado por Amigos da Terra Brasil (ATBr). O autor Harris Gleckman é membro sénior do Center for Governance and Sustainability da Universidade de Massachusetts Boston e diretor da Benchmark Environmental Consulting. Gleckman tem um doutoramento em sociologia pela Universidade Brandeis. Serviu no Centro das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais, foi chefe do escritório de Nova Iorque da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, e um dos primeiros membros do pessoal da Conferência de Monterrey de 2002 sobre Financiamento para o Desenvolvimento.
(Katia Marko/BF)