As despesas decorrentes do fornecimento de remédios a pacientes por decisão judicial vêm crescendo de tal forma, nos últimos anos, que todos os que têm uma parcela de responsabilidade na questão não podem mais se esquivar da busca de uma solução para o problema.
Ele só tende a se agravar, porque a crise que vive o País está obrigando os governos federal e estaduais, que pagam essa conta, a fazer significativos cortes em suas despesas, que não poupam nem mesmo áreas vitais como a da saúde.
No ano passado, a União e o governo paulista foram obrigados a gastar R$ 314 milhões com a compra de remédios importados indicados para o tratamento de doenças graves, já comercializados em outros países, mas ainda sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e destinados a pessoas que para isso recorreram à Justiça, como mostra reportagem do Estado. Objetos de ações judiciais são também remédios já comercializados no País, mas que não integram a lista dos que são fornecidos pela rede pública de saúde.
Com esses remédios e com tratamentos médicos caros, disponíveis no País ou que têm de ser feitos no exterior, mas não são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o gasto dos governos federal e estaduais foi de mais de R$ 1,2 bilhão em 2014, e as previsões são de que chegue a R$ 1,7 bilhão neste ano. O crescimento desse gasto pelo Ministério da Saúde é impressionante – saltou de R$ 139,6 milhões em 2010 para R$ 838,4 milhões em 2014. Desse total, apenas 11 remédios não registrados na Anvisa custaram R$ 257,9 milhões. O gasto do governo paulista foi de R$ 430 milhões, sendo R$ 52 milhões com remédios importados, quantia que corresponde a mais de um terço dos recursos destinados à assistência farmacêutica.
Uma das principais razões da chamada judicialização da saúde é a demora dos órgãos reguladores do setor em aprovar e incluir novos medicamentos na lista dos fornecidos pelo SUS. Outra causa é o alto custo dos remédios. Se a demora pode ser resolvida com medidas que simplifiquem os trâmites burocráticos, o problema do custo é mais difícil de resolver, porque esbarra nas limitações de recursos. Um exemplo citado na reportagem deixa isso bem evidente: era de mais de R$ 2 mil por mês o custo do remédio pago pelo SUS, durante 10 anos, a um paciente por ordem de Justiça.
O secretário de Saúde de São Paulo, David Uip, tem razão quando afirma: “Temos de avançar na discussão (do problema), porque isso vai ficar inadministrável”. A busca de entendimento envolve tanto os governos como o Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já está estudando a adoção de recomendações aos juízes para que ajam com muita cautela. Uma delas, por exemplo, sugere que pedido de remédio ainda não aprovado pela Anvisa só seja concedido se for fundamentado em sua evidência científica e em sua necessidade premente.
Em artigo publicado no Estado, a juíza Deborah Ciocci, que integra o CNJ, advertiu que se deve “ter em conta que não cabe ao Poder Judiciário definir e criar políticas públicas de saúde, substituindo-se aos Poderes Legislativo e Executivo”. E que por isso o juiz deve ponderar, “no caso concreto que lhe é apresentado, entre o respeito ao princípio da separação dos Poderes, os limites orçamentários do Estado e os direitos dos outros cidadãos de não terem seu acesso à saúde prejudicado, de um lado, e, de outro, o direito à vida e os princípios da dignidade”.
Melhor não poderia ser dito. Não se discute a necessidade e a justiça de oferecer o melhor remédio e o melhor tratamento ao cidadão que deles necessita. Mas isso vale para todos, não apenas para aqueles que têm meios de ir à Justiça. E o seu alto custo não pode também consumir recursos indispensáveis aos cuidados, mais baratos, mas igualmente importantes do ponto de vista médico, reclamados pela maioria dos pacientes da rede pública. É um equilíbrio difícil num país como o Brasil, que lembra o do cobertor curto, mas que tem de ser buscado a todo custo para evitar injustiças.