Os integrantes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aprovaram nesta quinta-feira (18), uma nota de repúdio à portaria do Ministério do Trabalho que altera a conceituação de trabalho escravo e muda as regras para a fiscalização e divulgação da lista com o nome de empregadores que submetam pessoas à condições semelhantes às de escravidão.
Em nota, os conselheiros exigem que o Ministério do Trabalho revogue a Portaria 1.129, publicada na última segunda-feira (16). Para os conselheiros, o ministério “redefiniu ilegalmente o conceito [de trabalho escravo] previsto no Código Penal, alterando-o na sua essência”. Afirmam também que a iniciativa desconsidera a importância de aspectos como a dignidade humana e restringe o conceito de proteção da liberdade, “criando dificuldades administrativas para a prevenção, fiscalização e efetiva libertação de trabalhadores”. “A referida portaria favoreceu a perversidade da situação laboral que a Lei Penal e seus aplicadores lutam para coibir”, criticam os conselheiros, na nota a que a Agência Brasil teve acesso.
Vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e formado paritariamente por representantes da sociedade civil e de governo, o Conanda tem como uma das missões a de discutir e propor formas de prevenir e erradicar o trabalho infantil. O repúdio à portaria, segundo os conselheiros, se justifica pela vulnerabilidade de crianças e adolescentes à escravidão contemporânea. Além disso, o próprio Código Penal define como agravante da pena aplicada a quem submete alguém ao trabalho degradante o fato de a vítima ter menos de 18 anos.
O coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (Conaete/MPT), o procurador do Trabalho Tiago Muniz Cavalcanti, corroborou o ponto de vista dos conselheiros do Conanda em entrevista à Agência Brasil.
“Invariavelmente, há crianças no ambiente em que resgatamos as pessoas submetidas ao trabalho escravo. Elas não necessariamente estão trabalhando, mas há, sim, muitos casos em que também são submetidas às mesmas condições degradantes que adultos resgatados”, afirmou o procurador. “Ainda que, na prática, isso seja muito comum, sempre foi difícil formalizar o resgate de crianças nessas circunstâncias; caracterizar que elas estavam trabalhando e submetidas à circunstâncias análogas à escravidão”, afirmou Cavalcanti.
O Ministério do Trabalho não se manifestou sobre as críticas do Conanda. Em nota divulgada na segunda-feira (16), a pasta defendeu que a portaria vai “aprimorar e dar maior segurança jurídica à atuação do Estado”. Segundo o ministério, as novas disposições sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo servem à concessão de seguro-desemprego para quem vier a ser resgatado em fiscalização promovida por auditores fiscais do trabalho.
“O combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados, e na inibição de práticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais básicos princípios da dignidade da pessoa humana”, sustenta o ministério.
Entenda o caso
Publicada no Diário Oficial da União na última segunda-feira (16), a Portaria 1.129 estabelece novas regras para a caracterização de trabalho escravo – o que despertou críticas de entidades de classe e organizações sociais que afirmam que a iniciativa afronta convenções internacionais das quais o país é signatário e o próprio ordenamento jurídico brasileiro, como, por exemplo, o Código Penal.
O artigo 149 do Código Penal estabelece que o trabalho análogo ao de escravo se caracteriza pela sujeição de alguém a condições degradantes de trabalho (caracterizadas pela violação de direitos fundamentais e/ou que coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador), ou a jornadas exaustivas (quando o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarrete danos à sua saúde ou risco de vida), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele). Já a portaria ministerial classifica como escravidão apenas a atividade exercida sob coação ou cerceamento da liberdade de ir e vir.
Além disso, a portaria altera as regras para atualização e divulgação do cadastro de empregadores que submeterem pessoas a condição semelhante ao trabalho forçado. Até a semana passada, a chamada lista suja do trabalho escravo era obrigatoriamente divulgada a cada seis meses, pelo Ministério do Trabalho. Eram incluídos na lista os nomes de todos os empregadores infratores flagrados pelos fiscais do trabalho e cujos autos de infração já tivessem esgotado todos os recursos a que tinham direito nos respectivos processos administrativos. Com a entrada em vigor da nova portaria, caberá ao ministro do Trabalho autorizar a inclusão dos nomes dos infratores e decidir sobre a divulgação da lista.