O número de trabalhadores incluídos no programa de redução de jornada – lançado pelo governo em 2015 e rebatizado de Programa Seguro-Emprego (PSE) pela gestão do presidente Michel Temer – caiu à metade no ano passado.
Em 2016, 22,4 mil funcionários de quase cem empresas foram beneficiados pela iniciativa, que compensa, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), parte do corte salarial que seria proporcional às horas e dias a menos trabalhados. No ano de lançamento do programa, 50 companhias que vinham experimentando queda forte na produção diminuíram em até 30% a jornada de 40,9 mil trabalhadores por até seis meses.
Além do impacto menor, em um ano em que o mercado de trabalho sofreu deterioração mais intensa do que em 2015, o PSE enfrenta dificuldade para garantir um de seus principais objetivos: a preservação do emprego em períodos de crise. Empresas que participaram do programa ao longo do último ano e meio relatam que tiveram necessidade de realizar novos cortes de pessoal após o fim do período de estabilidade garantido aos funcionários.
Mesmo grandes montadoras, as maiores beneficiadas pelo PSE, reduziram a folha de pagamentos no ano passado. Volkswagen, Ford e Mercedes foram destino de R$ 90,3 milhões dos R$ 169,4 milhões desembolsados desde o início do programa, com 25 mil trabalhadores participantes.
A Volkswagen incluiu 12,2 mil funcionários de três fábricas – Taubaté e São Bernardo do Campo, em São Paulo, e São José dos Pinhais, no Paraná – ainda em 2015. Diante dos números fracos de vendas de veículos no mercado interno, entretanto, em agosto do ano passado ela abriu um plano de demissões voluntárias para a unidade no ABC paulista e, em janeiro de 2017, para a fábrica de Taubaté.
A empresa não divulga um balanço das adesões, mas informa que soma atualmente, em todo o país, um total de 16,5 mil trabalhadores, número quase 30% inferior aos 23,2 mil contabilizados em 2011, conforme a base de dados do Valor Data.
A Mercedes, que chegou a ter 8,9 mil inscritos, abriu PDV quase um ano depois de entrar no programa, em agosto de 2016. Depois das 1.050 adesões, a fábrica de São Bernardo passou a contar com 7,7 mil trabalhadores, 35,9% menos do que o contabilizado em 2014, ainda segundo dados do Valor Data, ano em que a produção de caminhão e ônibus no Brasil passou a recuar de forma pronunciada.
Atualmente, informa a assessoria de imprensa da montadora, 350 trabalhadores estão em “layoff” (suspensão temporária do contrato de trabalho). A Ford, que lançou mão do PDV em 2016 na fábrica de Camaçari, na Bahia, concedeu férias coletivas para 3 mil trabalhadores na unidade de São Bernardo em fevereiro.
No início de 2016, passados os três meses de vigência do PSE, a Fundição Batatais, metalúrgica paulista que produz componentes para as fabricantes de autopeças, reduziu o quadro de 103 para os 63 empregados, que são mantidos até hoje. Em maio, a empresa voltou a fechar acordo com o sindicato para reduzir a jornada de trabalho dos funcionários por outros seis meses, desta vez sem a ajuda do programa do governo.
“O processo de adesão foi extremamente demorado e o ministério nunca nos repassou os recursos [referentes à parcela de recomposição dos salários afetados]”, diz Alan Danezzi, supervisor de recursos humanos da Batatais.
Em janeiro deste ano, a empresa aderiu mais uma vez ao PSE, por seis meses, com a esperança de que a produção mostre sinais de recuperação no segundo semestre. Por ora, o nível segue 50% menor que o pico registrado em 2011, quando a Batatais contava 140 funcionários. “O programa ajuda a reduzir um pouco os custos, mas não resolve o problema”, diz Danezzi, que está há 20 anos na empresa.
Nelson Marconi, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera a iniciativa de flexibilização da jornada em momentos de queda na produção positiva, mas pondera que o programa não foi desenhado para um período tão prolongado de recessão e, por isso, não tem evitado demissões.
Ainda assim, afirma o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, o programa vale a pena, porque adia o desemprego. Para ele, foi acertada a decisão do governo de estender o período de vigência de 2016, previsto inicialmente, para o fim deste ano. O orçamento do PSE para 2017 é de R$ 323,7 milhões, o dobro dos desembolsos feitos até o momento.
O professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Helio Zylberstajn ressalta o volume expressivo de acordos de redução de jornada de trabalho fechados fora do PSE para justificar sua avaliação de que o programa tem uma série de problemas.
Coordenado por ele, o boletim Salariômetro faz um acompanhamento mensal dos acordos e convenções coletivas protocolados no Ministério do Trabalho. Em 2016, foram contabilizados 353 acordos de redução de jornada com corte proporcional na remuneração dos funcionários. Do total, 118 foram feitos via PSE. O restante, via Lei 4.923, de 1965, que estabelece o mesmo teto de 30% para o período de redução de jornada de trabalho, mas não conta com recursos públicos para recompor a remuneração dos afetados.
Uma série de regras criadas especificamente para o programa, diz o professor, acaba afastando-o das empresas. Entre elas estão a exigência que as companhias tenham demitido previamente para que possam participar (o saldo negativo de vagas garante elegibilidade através do “indicador líquido de empregos”, criado para o PSE), que elas não tenham qualquer inadimplência com as obrigações trabalhistas e que se comprometam a não demitir os funcionários beneficiados por um intervalo equivalente a um terço do período de vigência.
A Pricol, fabricante de bombas de óleo e de água usadas pela indústria automotiva, permaneceu no programa por apenas quatro dos seis meses acordados. O gerente de RH, Edson Fernandes, tem uma percepção positiva do programa, mas acredita que ele funcione melhor para as empresas que “estão com tudo redondinho”.
Os 239 funcionários da empresa entraram no corte de 15% da jornada, que pararia a produção por dois dias em cada mês. Por causa da situação financeira complicada, explica, às vezes faltava matéria-prima quando a equipe estava trabalhando e chegava material quando não era dia de serviço.
Hoje a empresa conta com 220 colaboradores e torce para que a produção neste ano pelo menos empate com 2016. Enquanto os números não melhoram, a Pricol consegue se manter no mercado negociando com credores e clientes e com as linhas de crédito que consegue acessar graças ao respaldo da matriz indiana.
Para a empresa de logística JSL, que tem 24 mil funcionários no país, o programa tem ajudado a diminuir os custos de folha de pagamentos para compensar em parte a queda nas vendas. Desde janeiro de 2016, boa parte dos 400 funcionários da unidade de Resende – que presta serviços para a fábrica de caminhões da MAN localizada no município – não trabalha às sextas-feiras. A jornada foi reduzida em 20%, e os salários, em 10%.
Com as renovações, a unidade manterá o PSE até o fim deste ano, diz o gerente de operações da empresa de logística, Roberto del Sarto. O volume de pedidos ainda não chegou a crescer, afirma, mas o cenário é positivo, diante da expectativa de aumento das exportações da montadora para México e África do Sul. “Se a demanda realmente crescer, estudamos tirar 50 funcionários do programa e trazê-los de volta à jornada normal.”