Nobel de Economia conclui que precarização do trabalho não leva à redução da desocupação, e chama o repensar das iniciativas brasileiras de alteração da legislação trabalhista.

 

 

por Rodrigo Trindade

Dobrar lençol de elástico é difícil; dar comprimido para gato é difícil; encontrar Uber que não cancele anda muito difícil; mas tudo isso, com um pouco de esforço, arranhões e paciência, acaba sendo realizável. O que parece impossível é entender a insistência brasileira dos últimos anos em seguir apostando que debilitar o emprego pode combater a desocupação e alavancar a economia.

Estudos do ganhador do Nobel de Economia de 2021 agora se agregam na tarefa de desmontar mitos e fantasias que ainda animam leis, medidas provisórias e projetos legislativos para alterações das normativas trabalhistas brasileiras.

Estudos com fast food

David Card é nascido no Canadá e leciona em Berkeley, na Faculdade de Economia da Universidade da California. O nobelista conduziu pesquisas com empregados de redes de fast food nos EUA, e chegou à conclusão que ampliações do salário mínimo (o padrão remuneratório na atividade estudada) tende a produzir benefícios para ocupação e economia em geral.

Junto com o falecido economista Alan Krueger, Card comparou índices de desemprego em 410 restaurantes como Burger King, KFC e Wendy’s, em Nova Jersey e leste da Pennsylvania. O primeiro estado tinha ampliado seu salário mínimo de US$ 4,25 para US$ 5,05 por hora, enquanto o vizinho manteve mesmo valor. As pesquisas mostraram que as alterações nem promoveram diferenças nas taxas de desemprego, nem levaram ao aumento de preços ao consumidor nas lojas do estado que subiu salários.

 

 

 

O estudo de Card e Krueger joga pá de cal no modo como grande parte dos economistas viam a relação entre valor de salário e taxas de ocupação. Em 1978, 90% dos membros da American Economist Association acreditavam que baixos salários reduziam desemprego; em 2000, esse índice baixou para 46%.

No Reino Unido, a pesquisa dos acadêmicos americanos foi declarada como subsídio em plano do Partido Trabalhista para ampliação do salário mínimo – em oposição à ideia ainda defendida pelo Partido Conservador de que isso custaria cortes de postos de trabalho. Nos EUA, vem servindo para pressionar o governo federal a passar o atual salário mínimo horário de US$ 7,25 para US$ 15, em 2026. O Nobel de Economia soma-se a estudo da OIT, de 2011, que também reconheceu a inconveniência da precarização do emprego como estratégia de crescimento e desenvolvimento econômico.

Hoje, o Brasil, conta com número recorde de trabalhadores vivendo com até um salário mínimo. São 30,2 milhões de pessoas, equivalente a 34,4% do total ocupado do país, e significa o percentual mais alto já apurado desde o início da série histórica do PNAD-IBGE, em 2012. Apesar de tudo isso, fatos e estudos econômicos ainda parecem custar a convencer.

Para facilitar, temos insistido em duas analogias: primeiro, que Direito do Trabalho não é cegonha de empregos, habilitada a entregar postos de trabalho, conforme demanda do administrador público; segundo, que empregado não é filtro de café, que empresário obtém e deixa estocado, apenas porque o preço está barato. Política de empregos é essencialmente tributária de habilidades e disposições de administradores públicos para permitir crescimento econômico via demanda produtiva e consumo. Mas leis ruins de Direito do Trabalho atrapalham, e vem atrapalhando.

Ato #1: errar é humano

Em 2017, tivemos duas importantes leis, que passaram a ser conhecidas como Reforma Trabalhista, a 13.429/2017 e a 13.467/2017. Os avalistas de ocasião focaram na parte mais vendável ao grande público: normatização de situações ignoradas, fracionamento de férias e disciplina punitiva para ações fúteis.

O que não apareceu foi a essência, uma séria de disposições que, ao permitirem economias imediatistas de obrigações sociais, levariam à explosão de terceirizações, atravancamento judiciário, informalidade do mercado de trabalho e farra de contratações nos mais diversos itens do cardápio de precarização. Em suma, é o que, hoje, a casa oferece.

No Brasil, contamos com o desemprego estabilizado em índices altos, com quase 20 milhões de pessoas trabalhando menos do que gostariam, ou simplesmente desocupadas. Entre essas, há mais de 5 milhões que, simplesmente, não encontram espaço no mercado há mais de dois anos, o dobro de 2016. A partir do ano seguinte à Reforma, houve duplicação do emprego informal – o nome gourmetizado para trabalho ilegal, mas também pode chamar de delivery da sonegação de obrigações sociais.

E essa parece ser a tendência resistente. Em levantamento do IBGE, publicado em outubro de 2021, o número de ocupados cresceu 3,6% no trimestre, mas o empregado sem carteira (subida de 6%) e trabalho por conta própria sem CNPJ (aumento de 5,5%) é o que puxa os novos postos. Nos últimos meses, há manutenção da expansão do trabalho por conta própria sem CNPJ e do emprego sem carteira no setor privado. Isso fez, inclusive, com que a taxa de informalidade subisse dos 39,8% do trimestre móvel anterior para 40,8%, no trimestre encerrado em julho. O trabalho por conta própria manteve a trajetória de crescimento e atingiu o patamar recorde de 25,2 milhões de pessoas. Em relação ao mesmo trimestre de 2020, o contingente avançou 3,8 milhões, alta de 17,6%.

 

 

 

 

As más opções também têm se voltado contra os empregadores, fazendo o empreendedorismo nacional despencar. Dados do PNAD-Continua mostram que, comparando igual período de 2019, já houve baixa de 13,3% – ou 518,3 mil empregadores a menos em apenas dois anos. No mesmo intervalo, o número de empregados no setor privado caiu 10,1%, de 44,7 milhões para 40,2 milhões, com uma redução total de 4,5 milhões de vagas. Especialmente os pequenos empresários são os mais prejudicados. Cerca de 80,4% dos empregadores afetados no período tinham de um a cinco funcionários.

Enquanto isso, entre março e julho de 2020 – período de profunda crise decorrente da pandemia – 42 brasileiros entraram na lista de bilionários da Revista Forbes, que conta com 315 nomes. São fortunas que se formaram sem empregos.

Ato #2: insistir nos erros é…

O decepção do modelo de precarização parece mais resistente que as velhas culpas. Nos anos seguintes à Reforma, a receita de iniciativas brasileiras para “modernização” da legislação trabalhista e combate ao desemprego seguiu colorida pela mesma paleta.

Assim foi com a Medida Provisória 905 (contrato verde e amarelo, redutor de direitos a empregados jovens, sem contrapartidas minimamente consistentes) e os Projetos para Lei de Conversão (PLVs) das MPs 905 e 927, com precarização do sistema de fiscalização, diminuição na autonomia do Ministério Público do Trabalho, extensão de jornadas laborais e redução do adicional de horas extras para profissões com jornada diferenciada, ampliação do pagamento de prêmios em detrimento de salário.

Finalmente, o PLV da MP 1.045, que, em grande parte reproduziu as disposições dos dois outros PLVs citados, ainda somou inusitadas disposições processuais e autorizações de trabalho eventual – o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip).

 

 

 

A pandemia agravou, mas está longe de ser o fator principal da situação do mercado de trabalho brasileiro. Até o início da emergência sanitária, o emprego informal era o que mais crescia no país, e o desemprego, já bastante alto, não era muito diferente do que temos hoje. As flechinhas dos gráficos estavam na mesma direção e indicam que as raízes do problema estão muito mais enterradas nas opções normativas nacionais que na conjuntura da saúde pública planetária.

As conclusões que levam a premiar com um Nobel são difíceis de ignorar, e podem ajudar a desfazer os batidos mitos e fantasias das iniciativas legislativas brasileiras. Se não pela ciência, que seja pelo constrangimento.

* Rodrigo Trindade é professor universitário, ex-Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – AMATRA IV, juiz do Trabalho na 4ª Região.

Fonte: Revisão Trabalhista