Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que, de janeiro a agosto, foram registrados 100 casos; no mesmo período de 2014, aconteceram 65. Dois de cada três registros se referem aos horários de pico

A cada dois dias, uma mulher registra um boletim de ocorrência por assédio na Companhia do Metropolitano (Metrô) e na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Dois em cada três casos (69%) aconteceram nos horários de pico. Dados obtidos pelo Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que de janeiro a agosto deste ano foram registrados cem casos de assédio sexual. No mesmo período do ano passado, foram 65. Apesar do aumento de 53%, os números podem até ser menores que a realidade, pois muitas não denunciam o assédio.

Entre as vítimas que procuraram a polícia, há mulheres de 11 a 57 anos que relataram ter sido perseguidas, ameaçadas, agredidas, apalpadas e filmadas. Há ainda registro de homens que se masturbaram e ejacularam na roupa das vítimas e até mesmo um caso de estupro.

Além de acontecer em horários de maior circulação e nas linhas com o maior número de passageiros – Azul e Vermelha concentram 84% dos registros –, mesmo acompanhadas, as mulheres não estão seguras. Há relatos de crimes sexuais em que as vítimas estavas com a mãe ou com o marido.

Assediada no dia 15, às 6h30 em uma linha da CPTM, Paula Sionti, de 18 anos, tem o perfil da maioria das vítimas – 65% das mulheres assediadas têm entre 18 e 29 anos. “O vagão estava muito lotado, mal conseguia me mexer e comecei a sentir um homem se esfregando em mim. Ele chegou a passar a mão na minha genitália. Na hora eu travei, não consegui gritar, xingar ou fazer qualquer coisa. Tive medo da reação dele e das outras pessoas”, contou. O agressor não foi identificado.

Segurança da Linha Azul há 13 anos e um dos diretores do sindicato dos metroviários, Caio Peretti estima que a cada dez mulheres que relatam assédio sexual, oito desistem de registrar boletim de ocorrência por não acreditar que o agressor será preso. “Se não conseguimos identificar e localizar o autor para fazer o flagrante, a vítima não registra. É comum as pessoas serem assediadas e nós não conseguirmos (fazer o flagrante) porque falta efetivo”, afirmou. “Acaba não entrando na estatística, mas o número de casos de assédio é muito maior.”

Paula, por exemplo, não entrou para as estatísticas porque não se sentiu segura em procurar ajuda. “Estava com uma calça legging na hora e achei que poderiam dizer que eu era culpada por isso. Lembrei dos casos em que os próprios guardas assediaram as meninas e não me senti segura.” Neste ano, dois agentes da CPTM foram demitidos por assediar passageiras.

Segundo o Metrô, dos 1.200 seguranças, 156 são mulheres, o que é “mais do que suficiente”, segundo a companhia, que assegura haver pelo menos uma mulher em cada estação. Também disse ter 3.900 câmeras espalhadas em 70% dos vagões e em todas as estações, com exceção da Conceição e Jabaquara, da Linha Azul, a mais antiga.

Campeã de registros, a Sé concentrou 19% dos casos deste ano. De acordo com o Metrô, não significa que a estação seja a que tem mais assédios, mas a que concentra o maior número de desembarques.

Luzia Margareth Rago, historiadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que os assédios são sustentados por uma cultura machista, que torna a mulher objeto, e pelo fato de que o autor dificilmente será punido. “Quem assedia dessa forma não quer lisonjear, quer intimidar.”

Em um dos casos registrados neste ano, um homem mostrou o pênis para uma estudante de 23 anos. Ele foi detido por seguranças e se constatou que já tinha outros dois boletins de ocorrência por importunação ofensiva ao pudor – que é a tipificação mais comum, registrada em 86% dos casos. Mesmo assim, o homem foi liberado.

METRÔ QUER QUE DELEGACIA DA MULHER CUIDE DOS CASOS DE ASSÉDIO

Em abril, um delegado da Delpom descreveu em um dos boletins de ocorrência que a vítima “estava trajando uma saia curta”

Em reunião com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) na semana passada, o Metrô pediu que os casos de assédio sexual passem a ser registrados na Delegacia da Mulher, e não mais na Delegacia do Metropolitano (Delpom). A ideia é que a vítima de assédio seja atendida por uma equipe especializada em casos assim. Em abril, um delegado da Delpom descreveu em um dos boletins de ocorrência que a vítima “estava trajando uma saia curta”. A SSP não comentou o caso.

Rubens Menezes, chefe do Departamento de Segurança do Metrô, disse que a mudança é pertinente, já que a delegacia da mulher pode oferecer atendimento especializado. No início do mês, o Metrô distribuiu material de orientação para os funcionários com as formas adequadas de atender as vítimas.

A CPTM informou que entre suas estratégias de segurança estão rondas com agentes, que estão preparados para lidar com situações que “fujam à anormalidade” e identificar suspeitos. Além disso, há 7.100 câmeras e um sistema de denúncia por mensagem de celular. “O sucesso das ações deve-se principalmente ao fato de as vítimas imediatamente denunciarem os molestadores”, disse.

PARA PSIQUIATRA FORENSE, AGRESSORES SEXUAIS SÃO ‘DE OCASIÃO’

Especialista afirma que, mesmo vítimas de transtorno mental, agressores têm capacidade de autocontrole e podem ser responsabilizados

O psiquiatra forense Quirino Cordeiro, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, diz que “parte considerável, senão a maioria” dos agressores sexuais de transporte público não são doentes mentais, mas “infratores de ocasião”. Entre os agressores, a maior parte, 38%, tinha mais de 40 anos e 10% eram desempregados.

Segundo Cordeiro, mesmo aqueles diagnosticados com pedofilia, frotteurismo (encoxadores), voyeurismo ou exibicionismo, patologias que podem ser associadas à violência, têm capacidade de autocontrole, portanto, podem e devem ser punidos penalmente.

O álcool e as drogas são substâncias que potencializam o comportamento desinibido e podem ajudar a desencadear o comportamento agressivo.

“Uma linha forte da psiquiatria forense considera que, apesar de quadro de transtorno mental, o agressor consegue se controlar e pode ser responsabilizado”, disse Cordeiro.

Fonte: O Estado de S.Paulo