A dificuldade para se negociar aumento de salários em meio à recessão e as consequências da crise econômica – atraso no pagamento das remunerações, no recolhimento de tributos e demissões em massa – têm levado cada vez mais categorias ao Judiciário. No primeiro semestre, seis dos principais Tribunais Regionais do Trabalho do país – Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo – autuaram 288 dissídios coletivos, inclusive de greve, contra 241 no mesmo período do ano passado.

Diante de um número cada vez maior de empresas que acenam com reajustes nominais próximos de zero, os acordos arbitrados pelos tribunais, de modo geral, continuam contemplando pelo menos a inflação acumulada no período até a data-base. Desembargadores relatam, contudo, um volume crescente de casos de conciliação em que o aumento é dado de forma parcelada.

Um dos 22 sindicatos que representam os trabalhadores da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), o Saemac, está aguardando a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região para encerrar a campanha que começou em março. A entidade pede 4% de aumento real, além dos 11% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulados nos 12 meses até a data-base.

A proposta inicial do sindicato, que representa quase metade dos 7,4 mil funcionários da empresa, era aumento linear de R$ 615 para cada trabalhador, afirma Gerti José Nunes, presidente do Saemac. A ideia era recompor os salários de entrada – o piso de R$ 1.394 -, o que não foi acatado pelos sindicatos que representam os funcionários com salários mais altos. Eles aceitaram a proposta inicial da Sanepar, que cobria a inflação. Após oito dias de paralisação da base da Saemac, o Ministério Público interveio na campanha, que acabou indo para dissídio.

“Hoje as categorias têm cada vez mais dificuldade de repor a inflação”, observa a desembargadora do TRT-9, Marlene Suguimatsu. Ela admite que os tribunais geralmente utilizam os índices de preços como parâmetro para determinar o percentual de reajuste nos dissídios, mas afirma que, neste ano, ainda não houve julgamento nesse sentido, já que uma série de casos foi conciliada e não precisou passar pela seção especializada, e que ainda não há garantia de que o tribunal determinará pelo menos a reposição das perdas inflacionárias.

Já o TRT-2, de São Paulo, segue usando o INPC como piso para as decisões, diz o desembargador Wilson Fernandes, eleito em agosto presidente da entidade. O que desapareceu neste ano foi o adicional de produtividade, que girava entre 1% e 1,5%. Frente às dificuldades que vêm sendo relatadas pelas empresas, especialmente aquelas de pequeno e médio porte, têm sido comuns as conciliações com parcelamento do aumento nas remunerações, ele relata.

A boa notícia é que o volume de ações parou de aumentar em julho e agosto. “Parece que chegamos mesmo ao fundo do poço”, diz Fernandes, que espera uma desaceleração dos dissídios neste negundo semestre.

“O ‘mínimo’ [que as categorias têm buscado nas campanhas] é o emprego, receber em dia e, no máximo, manter benefícios”, ela comenta. O número de dissídios – ações para solucionar conflitos entre as partes da relação de trabalho – no Paraná cresceu de 16 no primeiro semestre de 2015 para 20 no mesmo período deste ano. Os de greve avançaram de 10 para 12 nesse intervalo.

Os metalúrgicos de Betim (MG) entregaram em julho a pauta de 2016 com parte da campanha do ano passado pendurada no TRT-3. A categoria ainda não entrou em acordo com a federação das indústrias do Estado, a Fiemg, a respeito da proposta do banco de horas de até 300 dias. Apresentada como estratégia para atravessar a recessão, ele seria usado quando o volume de pedidos não justificasse a presença de todos os funcionários na linha de produção.

Com o atraso, 1,5 mil dos 35 mil trabalhadores da base ainda não tiveram reajuste, fechado em média em 9,9% nos acordos feitos diretamente com as empresas. “Nós sabemos que banco de horas não garante o emprego”, argumenta Paulo Moreira, vice-presidente da entidade. À frente do sindicato entre 1996 e 1999, ele fechou acordo parecido, que não impediu o corte de quase metade dos funcionários da Fiat, que compõem grande parte da base.

Na montadora, os 24,5 mil trabalhadores contabilizados em 1997 – época em que o quadro de funcionários atingiu seu tamanho máximo – viraram 12 mil um ano depois. “Só o que nós perdemos naquele período na Fiat corresponde ao total de demissões dessa crise”, ele afirma, justificando a avaliação de que esta recessão não é a pior pela qual a cadeia automotiva mineira passou. Desde 2014, a base do sindicato encolheu de cerca de 48 mil para 35 mil pessoas.

Depois de meses consecutivos de fechamento de postos de trabalho, Fernandes, do TRT da 2ª Região, tem observado uma mudança no perfil dos dissídios que chegam ao maior tribunal do país. “Havia muita discussão sobre PLR [participação nos lucros e resultados], novos direitos. Desde o ano passado vêm crescendo os dissídios por falta de pagamento de salários, demissões em massa”, pontua. O TRT-2 autuou 72 dissídios de greve nos primeiros seis meses de 2016, mais do que os 67 do primeiro semestre de 2015 e quase o dobro do registrado em 2012, 37.

Um desses casos é o dos trabalhadores da metalúrgica Mecano, de Osasco, sobre a qual pesam dois dissídios de greve neste ano por falta de pagamento de salários. No primeiro, instituído em janeiro, houve conciliação porque a empresa se comprometeu a pagar os valores de forma parcelada, conta Gilberto Almazan, diretor do sindicato. Como o depósito das remunerações continuou atrasada, os 170 funcionários estão em greve há duas semanas, aguardando o julgamento do segundo dissídio. Funcionário da companhia há 36 anos, ele lembra que o quadro de funcionários chegou a contar 2 mil pessoas no início dos anos 1990.

O caso, afirma Almazan, não é isolado, já que Osasco é um polo importante de fabricação de autopeças, segmento que já vinha perdendo mercado para os importados no período em que o real esteve bastante valorizado, por volta de 2012, e que desde 2015 amarga a retração do mercado doméstico e a queda de dois dígitos na produção e venda de veículos. Nos últimos dois anos, ele conta, o sindicato contabiliza perda de 10 mil empregos. Atualmente, os metalúrgicos de Osasco e região, que compreende outros 11 municípios, são 35 mil.