— Foi a maneira que encontrei para ficar com a minha filha e trabalhar.

Depois de 43 anos no mercado de trabalho, o gerente comercial Jorge Luiz Coutinho achou que poderia descansar um pouco. Achou errado. Em 2012, ele chegou a se aposentar, após ter atuado em diversas companhias de grande porte, mas precisou voltar à ativa no ano seguinte, para manter o padrão de vida que conquistou nas últimas décadas. Hoje, aos 58 anos, trabalha em uma empresa que fornece material de limpeza para o varejo.

— Para manter o padrão de vida, precisei voltar ao mercado.

A dentista Vânia Vidal Mourão, que atende em Copacabana e na Barra da Tijuca, está ficando mais tempo no consultório. Tudo para adaptar o horário aos pacientes:

— Tem que atender na hora que o paciente pode, preciso equilibrar a agenda conforme o paciente quer. E parcelo o pagamento em até 18 meses.

O marido de Vânia, Elias Corrêa de Farias, empresário, viu o movimento no seu salão de cabeleireiro cair 28% no último ano:

— Os clientes continuaram, mas a frequência diminuiu. Até 2014, atendia 22 pessoas por dia, hoje atendo 12. Faço promoções, o que for para atrair a clientela.

Segundo o diretor da FGV Social e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, pela primeira vez desde 1992, houve piora em dois indicadores fundamentais para as famílias: a renda do trabalho e a domiciliar per capita, que soma também recursos de aposentadoria e programas sociais, caíram e houve aumento “forte da desigualdade”:

— No último trimestre do ano houve queda forte da renda com aumento de desigualdade, o que não acontecia desde 1997. Esse processo continuou no primeiro trimestre e se aprofundou.

O economista calculou e viu que o Índice de Gini (principal indicador de distribuição de renda, que varia de zero a 1, e quanto mais alto, maior é a desigualdade) subiu de 0,515 para 0,525:

— É uma subida grande. A queda da renda desacelerou mais recentemente, mas é otimismo acreditar que está se revertendo totalmente.

Para o economista, os riscos são grandes.

— Estamos surpreendentemente próximos do topo (das conquistas sociais), mas estamos à beira do precipício, num céu cheio de nuvens — diz Neri.

O arquiteto Ronald Goulart enfrentou uma queda no número de projetos, mas já observa melhora mais recentemente. Teve que recorrer a reservas e viu o desemprego assolar seus clientes:

— Trabalhei para uma empresa na área de petróleo que fechou um ano depois. Grandes empresas pararam tudo. Escritórios que tinham mil funcionários passaram a funcionar com 600. Fiz o trabalho oposto do que fazia. ‘Vou devolver um andar, preciso de layout para se adequar ao novo espaço”, dizem. É uma inversão, normalmente me chamam para expandir. Tive clientes que estavam construindo uma casa e, de repente, acabou o emprego.

A advogada Adriana Tinoco, especializada na área ambiental, não conseguiu novos clientes. Trabalhando no setor de petróleo e gás viu a demanda minguar:

— Vínhamos sentindo a crise antes de ela chegar, já no fim de 2014. Quando a crise aumentou, não perdi clientes, mas não tive novos negócios. A demanda parou.

Ela,então, reduziu os custos com o escritório e passou a trabalhar mais em casa.

Na casa da costureira Maria de Fátima de Souza, todos trabalharam mais. Ela, costureira, vende sacolés, o marido, Valter, aposentado, faz biscate para complementar a aposentadoria.

— Além dos biscates, Valter também corre os supermercados, de bicicleta, atrás das promoções — conta Fátima.