A inflação brasileira vem desafiando com fôlego raro a forte recessão que o país atravessa. Ontem, a prévia do índice oficial, o IPCA-15, deixou para trás até as piores expectativas dos analistas que acompanham os preços ao mostrar alta de 1,42% em fevereiro. O número não só é pior do que a projeção mais pessimista, que era de 1,38%, como também supera com folga a alta de 1,33% do índice em fevereiro do ano passado.

Importante lembrar que 2015 foi o ano do “tarifaço”, aquele em que o governo corrigiu integralmente os preços administrados que tinham tido aumentos represados em anos anteriores, como os de energia elétrica. À época, acreditava-se que haveria um choque inflacionário naquele momento, mas depois os preços desacelerariam e voltariam à ‘normalidade’.

Um ano depois, a inflação não dá trégua. Movida, é fato, por efeitos da desvalorização do real que se acentuou no segundo semestre do ano passado e por alguns fatores climáticos que pressionam os preços de alguns alimentos de forma mais pontual. Mas não é só. O que se observa é que o tarifaço deixou heranças e, apesar da atividade econômica fraquíssima, os repasses de custos ainda encontram espaço. Os reajustes de educação ficaram em média perto de 6%, mas essa média esconde altas maiores, que chegam a 11% em alguns níveis de ensino, a despeito da crise.

Mesmo após um ano que encerrou com uma queda real de 3,7% na renda média dos trabalhadores, com a taxa de desemprego dois pontos percentuais maior e 1,5 milhão de vagas formais de trabalho a menos, a alta dos preços de serviços ainda roda na casa dos 8%.

Até quando a inflação vai mostrar esse nível de resiliência é uma questão que vem dividindo hoje os economistas, como mostram as reportagens abaixo, mas o grupo que vê uma resposta pessimista a esta questão vem aumentando diante de surpresas negativas como a do IPCA-15 de fevereiro. É preciso acrescentar a este cenário o alto nível de indexação da economia brasileira – vale lembrar que o salário mínimo teve reajuste de 11,6% este ano – e a dificuldade enfrentada pelo Banco Central e o governo como um todo de coordenar expectativas.

O ano começou apontando a inflação como a possível ‘variável surpresa’ de 2016, e alguns ainda avaliavam que a surpresa poderia ser positiva, com o índice capitulando para o teto da meta diante de uma recessão inédita. Estamos ainda em fevereiro e o que os dados sugerem é que talvez fique claro mais cedo do que se imaginava que essa esperança poderá ser de difícil concretização.