A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga denúncias de corrupção na construção da fábrica da Fundação para o Remédio Popular (Furp), na cidade de Américo Brasiliense, no interior paulista, suspeita que o ex-secretário da Saúde Giovanni Guido Cerri (2011-2013) trocou favores com a empresa farmacêutica EMS, que detém a concessão da unidade. Após deixar a secretaria, Cerri abriu uma empresa chamada Clientech Participações, com capital social de R$ 1 mil, tendo como sócios dois executivos da indústria farmacêutica EMS. Um mês e meio depois, a NC Investimentos, controladora da EMS, comprou R$ 10 em ações da Clientech e investiu R$ 1,499 milhão na empresa recém-criada.

A empresa foi aberta em 29 de julho de 2016, quase três anos depois de Cerri deixar a secretaria. Na ficha cadastral mantida na Junta Comercial de São Paulo, no ato de fundação da empresa aparecem como sócios dele o empresário Leonardo Sanchez Secundino, dirigente da NC Investimentos; Julio Cesar Borges, executivo da EMS; e Eleuses Vieira de Paiva, médico e ex-deputado federal. Em 15 de setembro do mesmo ano, a acionista Auvergne Administradora de Bens e Participações vendeu sua parte à NC Investimentos, que fez o aporte de quase R$ 1,5 milhão na sequência.

Cerri foi secretário da Saúde do governo Geraldo Alckmin (PSDB) entre 4 de janeiro de 2011 e 14 de agosto de 2013. Na sua administração, a gestão da fábrica da Furp foi licitada e a vencedora foi a EMS, que também foi a única empresa a apresentar proposta. O ex-secretário da Saúde deixou o cargo apenas 15 dias depois da publicação do resultado da concorrência que garantiu à EMS o contrato da PPP. Na época ele alegou que queria se dedicar mais à vida acadêmica, como professor da USP. Atualmente, a concessão causa um prejuízo anual de R$ 56 milhões aos cofres públicos, segundo dados da Furp.

No início deste ano, o ex-secretário da Saúde tornou-se sócio da empresa Centro Regional de Radiologia Intervencionista e Vascular (Criva), com sede em São José do Rio Preto. Na mesma data, ingressou na empresa a NC Investimentos. Não há informações sobre investimentos da controladora da EMS nessa empresa. “Essas ligações chamam ainda mais a nossa atenção se levarmos em conta que o período em que Cerri comandou a Secretaria de Saúde do Estado coincidiu exatamente com o período de contratação da EMS por meio de PPP”, afirmou o presidente da CPI da Furp, deputado estadual Edmir Chedid (DEM), que ouviu o ex-secretário da Saúde ontem (17).

 

 

Chedid defendeu que a CPI investigue mais detidamente as relações entre Cerri e a EMS, além de propor que exista uma quarentena entre o período em que uma pessoa estiver à frente de uma Secretaria de Estado e sua associação às empresas que se relacionam com o governo. “Nós questionamos, ouvimos as respostas. Mas eu acho que a CPI deve se debruçar em cima dessas respostas, saber como se deram esses negócios e se não teve nenhuma influência de quando ele foi secretário. Por isso eu defendo que secretários de estado tenham uma quarentena. Nós já vimos secretário de estado, que era presidente de Organização Social de Saúde. Em vez de receber o recurso e administrar, passa a pagar. Não pode continuar assim”, afirmou.

Em seu depoimento, Cerri negou que haja conflito de interesse em sua relação com a controladora da EMS. “Se tivesse alguma relação na época em que eu estava na Secretaria, total. Mas isso foi tudo a posteriori, não teve nada a ver com o tempo em que eu estive na Secretaria. Isso foi um fato recente e é um grupo que faz investimentos no setor privado. É uma parceria que foi feita muito tempo depois”, afirmou. Segundo o ex-secretário da Saúde, a PPP não foi conduzida pela Secretaria da Saúde, mas por um grupo dentro do governo, que envolvia integrantes de várias secretarias. “Não houve nenhum favorecimento. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, eu não tinha nenhuma relação com eles quando era secretário”, completou.

Concessão desastrosa
Além das suspeitas sobre a relação entre Cerri e a EMS, a concessão da fábrica da Furp, iniciada em 2013, revelou-se desastrosa. A expectativa para o contrato de R$ 2,3 bilhões era de que a empresa fizesse R$ 130 milhões em investimentos nos cinco primeiros anos da concessão, que tem prazo de 15 anos. Além disso, deveria obter licenças e produzir 96 medicamentos para fornecer às unidades de saúde estaduais e municipais. Passados seis anos, a empresa só produz 13 medicamentos, pelo dobro do preço de mercado, e os investimentos ficaram em torno de R$ 70 milhões.

A EMS – que criou uma personalidade jurídica específica para gerir o contrato com a Furp, a Concessionária Paulista de Medicamentos (COM) – cobra ressarcimento de R$ 65 milhões do governo paulista, por conta da distorção entre os preços de mercado – que o governo pagava – e os previstos em contrato. Para compensar o problema, o governo Alckmin passou a fazer repasses fixos de R$ 7,5 milhões por mês à empresa, independentemente da quantidade de medicamentos produzida. A empresa ainda é isenta de ICMS e não tem gastos com distribuição, que é feita pelo Executivo.

O contrato também previa que a EMS assessorasse a Furp na obtenção de registros de medicamentos, de forma que a tecnologia ficasse de posse do governo paulista. Mas a empresa apenas liberou licenças que já pertenciam a ela mesma, reduzindo o investimento e impedindo a transferência de tecnologia à estatal.

A NC Investimentos negou qualquer relação entre a concessão da Furp e a associação com Cerri. “O Grupo NC informa que seus investimentos nas empresas Clintech, constituída em 2016, e Criva fazem parte da sua estratégia de diversificação em algumas frentes de atuação, incluindo a área de diagnóstico de imagem, em que o dr. Giovanni Guido Cerri, professor de medicina e presidente de instituições médicas, é um dos grandes especialistas. O capital investido foi destinado à compra de equipamentos, ampliação da estrutura física e expansão das empresas. Esse negócio é independente, não tem nenhuma relação com a Furp.”

Além dos problemas de funcionamento, a CPI da Furp investiga denúncias de corrupção na construção da fábrica, feitas em delação premiada de ex-executivos da empreiteira Camargo Corrêa.