Sergipe é único que tem dados de condenações ano a ano desde 2006.
Alguns estados não têm número algum e outros dizem não ter como saber.

Os números de condenações pela Lei Maria Da Penha não são conhecidos em todos os estados do país. O G1 fez uma solicitação aos tribunais de Justiça de todo o Brasil no início do mês de julho para ter um panorama das condenações desde 2006, referentes aos 10 anos de existência da lei, mas os dados não estão disponíveis ou estão incompletos.

Apenas 12 estados e o DF têm dados sobre condenações, mas de formas distintas – só Sergipe tem registros anuais de condenações desde 20

Alagoas tem dados a partir de 2010. Amapá,Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul têm números totais desde a criação da lei, mas eles não estão divididos por ano. Distrito Federal e Piauí só começaram a contabilizar os registros em 2013. Maranhão só tem o registro total, mas a partir de 2008. Mato Grosso tem um dado consolidado a partir de 2009. Mato Grosso do Sul e Minas Gerais começaram a contabilizar as condenações apenas em 2010. Pernambuco faz um registro ano a ano, mas ele só começou em 2009. Santa Catarina só tem dados de 2015.

Dois estados têm apenas números de processos julgados – caso de Roraima eTocantins. Já Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás e Paraná disponibilizam somente os processos em andamento. Acre, Pará e Rondônia têm apenas dados sobre medidas protetivas.

Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte e São Paulo não responderam ao questionamento do G1.

Procurado, o Ministério da Justiça diz que não tem números nacionais e que é a Secretaria de Políticas para as Mulheres a responsável por dados referentes à Lei Maria da Penha. A secretaria, por sua vez, diz que “os processos judiciais e seus resultados são de competência do Poder Judiciário e, portanto, cabe a ele centralizar essas informações”.

“A principal publicação com informações sobre os processos judiciais atualmente chama-se Justiça em Números, porém apenas em sua última edição foram apresentados dados referentes aos processos judiciais. Esses dados foram apresentados apenas sobre os assuntos com maior recorrência em cada tribunal de Justiça, não sendo possível um levantamento nacional”, diz a pasta. “Não há, atualmente, levantamento nacional sobre os resultados dos processos judiciais dos casos de Lei Maria da Penha nem mesmo sobre as condenações.”

Falta de uniformização nos dados
Segundo a desembargadora aposentada Jane Silva, é preciso ter um controle maior sobre os dados de condenações no país. “Acredito que tinha que ter mais varas especializadas nisso, porque a violência cresce a cada dia. Deveríamos informatizar a informação, para conseguirmos ter os dados reais, uniformes”, pondera.

Jane reforça que a Lei Maria da Penha é boa, mas não está tendo efetividade. “É preciso ter cuidado na punição, na agilidade, senão prescreve e aí os homens não se assustam”, diz.

Ainda sobre a lei, a desembargadora ressalta que, na visão dela, é preciso ter uma revisão. “É preciso sentar, conversar, trocar ideias pra que a lei tenha total eficiência, senão as próprias vítimas voltam atrás. A mulher precisa ter um abrigo, receber uma pensão até voltar a trabalhar pra conseguir se sustentar. São questões psicológicas, traumas que não somem de um dia pra o outro e é preciso ter essa ajuda.”

Fernanda Marinela, presidente da OAB-AL e da Comissão Nacional de Honra da Mulher Advogada, também destaca que a falta de números consolidados nacionais é um problema. “A lei está funcionando em sua plenitude, mas ela não tem números, não tem estatísticas, o que acarreta num grande problema da sociedade. Sem esses dados, o Estado se mantém inerte, já que as mudanças só são feitas através de números. Hoje em dia não temos ações concretas. Falta política de direcionamento.”

Segundo ela, é preciso ter “mais infraestrutura, já que é visível que em muitas instituições falta uma política direcionada”. A lei, na visão da advogada, é “muito moderna, tem ferramentas que envolvem várias instituições, já que nenhuma sozinha consegue aplicá-las, mas muitas dessas instituições não mostram efetividade, mas, sim, uma desorganização”.

A advogada também acredita que o ideal é que seja criado um novo modelo informatizado. “Com certeza é necessário investimento em ferramentas, em tecnologia, principalmente na coleta de informações, no cadastro, na forma de classificar. O que vemos hoje é que é preciso fazer uma capacitação das estruturas, para assim ter um preparo para receber os dados e organizá-los. O problema não é a lei, mas sim a efetividade das ferramentas para ter um levantamento de qual o tamanho real da violência doméstica no país.”

Já Maria Gabriela Prado Manssur, promotora de Justiça de SP e diretora da Mulher na Associação Paulista do Ministério Público, diz que há uma defasagem de dados, e que isso é muito ruim estatisticamente. “A Promotoria tem que ser especializada, precisa ter equipamentos de dados, além de uma equipe multidisciplinar, para auxílio da vítima, cadastro, dados, medidas, sentenças. Só com isso se consegue medir a efetividade do trabalho, com números, e pleitear mais medidas públicas.”

Projeto piloto
A promotora acredita que “com maior publicidade, visibilidade e informação para as mulheres, aumenta a credibilidade no sistema de Justiça e provoca também um desencorajamento por parte dos homens”. Ela reforça que está previsto para o segundo semestre o piloto de um novo modelo de informatização.

“Há previsão para o segundo semestre de um projeto piloto de cadastro nacional de violência contra mulher. Os primeiros estados que devem participar são BA, MT, PA, PR, PI, SP e TO. Isso já é um passo, deve ter um avanço.”

Maria Gabriela diz que é preciso um apoio para que “as mulheres não desistem de realizar a denúncia, ou até mesmo retirar o inquérito e que para isso são de extrema importância projetos de empoderamento econômico, para que elas tenham uma dependência e que tenham ajuda no que for necessário, seja trabalho, atendimento psicológico e abrigo.”

A defensora pública Ana Rita Souza Prata, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher em SP, pondera que “não é tradição do sistema de Justiça coletar dados”. “Não há uma refinação. O que existe é uma preocupação com a eficácia e a visibilidade da lei.”

A defensora ressalta que o sistema de proteção à mulher é complexo, que há muitas instituições integradas, que é preciso confiar na Lei Maria da Penha e no sistema de Justiça e não deixar de fazer a denúncia. “A lei é boa, criou uma consciência social, trouxe direito, e precisa ser cada vez mais efetivada.”

Veja os dados em cada estado: http://goo.gl/JTFvJO