Brasil enfrenta recessão na economia e aumento do desemprego.
Mas inflação segue pressionada por altas de tarifas públicas e tributos.
Sob forte pressão, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central faz nesta quarta-feira (20) a segunda parte da primeira reunião de 2016 e poderá retomar o processo de alta da taxa básica de juros da economia brasileira, atualmente em 14,25% ao ano. A previsão da maior parte do mercado financeiro, refletida na curva de juros do mercado futuro, um tipo de aposta dos bancos, é de um aumento de 0,25 ponto percentual, para 14,5% ao ano.
Entretanto, há analistas que não descartam a possibilidade de a autoridade monetária manter os juros estáveis por conta da desaceleração da China e da queda do preço do petróleo – que se refletem no nível de atividade da economia mundial e, teoricamente, geram menos pressões inflacionárias. Com ou sem aumento, a taxa de juros seguirá no maior patamar em quase dez anos, ou seja, desde meados de 2006. A decisão do Copom será anunciada nesta noite.
Mudança de aposta
Até o início desta semana, os economistas dos bancos acreditavam que o Copom teria uma postura mais agressiva, elevando a taxa Selic em 0,5 ponto percentual na reunião de janeiro deste ano, para 14,75% ao ano. Para embasar suas apostas, levavam em conta a sinalização dada pelo BC no começo deste mês, quando informou que “adotará as medidas necessárias de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos do regime de metas [de inflação]”.
Essa percepção se alterou nesta terça-feira (19), quando o Banco Central rompeu o tradicional silêncio que antecede os encontros do Copom para dizer que considerou “significativas” as revisões das projeções de crescimento em 2016 e 2017 do FMI para o Brasil [para baixo] e acrescentou que estas informações seriam “consideradas nas decisões do colegiado”. O mercado entendeu o recado como uma forma de sinalizar uma alta menor dos juros, ou até mesmo a manutenção no atual patamar de 14,25% ao ano.
“Num movimento atípico o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, bagunçou o meio de campo na véspera do Copom. Ao anunciar que irá considerar as projeções do FMI na decisão do colegiado do BCB ele diz nada e ao mesmo tempo tudo”, avaliou André Perfeito, da Gradual Investimentos. Em sua opinião, embora o BC não precisasse subir juros por conta do “ajuste recessivo em curso”, não fazê-lo seria lido pelo mercado neste momento como um sinal de “fraqueza”.
Para o ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman, sócio da consultoria Schwartsman & Associados, “jabuti não sobe em árvore”. “Porque o BC ia comentar uma atualização das projeções do FMI? Tudo bem. Piorou, até mais do que o consenso do mercado, mas não tão mais. É muito ruim, mas que a gente já conhecia. Imagino que o Tombini também”, disse ele, que passou a apostar em Selic estável ou uma alta menor, de 0,25 ponto percentual nesta quarta-feira.
A linha de raciocínio é que, com uma retração maior da economia neste ano [FMI prevê queda de 3,5% para o PIB brasileiro em 2016] e um crescimento zero em 2017, teoricamente haveria menos pressões inflacionárias. O Banco Central tem dito que, após a disparada da inflação para 10,67% em 2015 – a maior em 13 anos – trabalha para o trazer o IPCA para dentro dos limites do sistema de metas neste ano (até 6,5%) e para um patamar próximo da meta central de 4,5% em 2017.
Recessão, desemprego e pressões sobre o Copom
Em um cenário de forte queda da atividade econômica em 2015, com a previsão do mercado de retração do PIB da ordem de 3,75% no ano passado, a maior em 25 anos, seguida por uma contração também significativa neste ano (por volta de 3%, segundo previsão do mercado), e com o aumento do desemprego, podendo superar 10% neste ano, a decisão do Copom sobre a taxa de juros está cercada de fortes pressões políticas.
Tanto o presidente do Partido dos Trabalhadores, Rui Falcão, quanto os representantes das centrais sindicais e do setor produtivo têm se manifestado sistematicamente contra uma nova alta de juros por parte do Banco Central. No fim do ano passado, Falcão pediu propostas para retomar o crescimento econômico, garantir o emprego e preservar a renda e os salários. “Chega de altas de juros e de cortes em investimentos”, declarou ele, em artigo.
As centrais sindicais fizeram ato nesta terça-feira na frente do Banco Central de São Paulo contra um novo aumento de juros. A Força Sindical avaliou que um novo aumento de juros contribuiria para o “aumento da recessão e do desemprego, atingindo a indústria nacional, reduzindo a produção e provocando, até, a insolvência das empresas (desindustrialização)”.
Em artigo publicado no fim do ano passado, institulado “Para vencer a Crise”, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) pede redução da Selic e avalia que juros “extraordinariamente elevados na atualidade, constituem barreiras intransponíveis ao crescimento”. Nesta semana, divulgou um documento na qual avalia que a crise é “generalizada” no setor produtivo.
Para o o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alencar Burti, as indicações de que o BC poderá iniciar um novo ciclo de alta dos juros são “motivo de grande preocupação”. Segundo ele, isso poderia “agravar a recessão e afetar duplamente as contas públicas, pela queda da arrecadação fiscal e pelo aumento dos encargos da dívida pública, sem ganho significativo, se é que haverá algum, sobre o combate à inflação”. “É um equívoco neste momento”, concluiu.
Inflação segue pressionada
Apesar dos impactos de uma nova alta dos juros sobre a produção e o emprego, economistas observam que a inflação segue pressionada no começo deste ano e que o instrumento mais eficaz do Banco Central para tentar controlá-la é justamente a taxa básica de juros.
No começo de 2016, 20 estados e o Distrito Federal promoveram aumentos de tributos, como o ICMS, além de alta de impostos sobre computadores e bebidas implementada pelo governo federal. Também foram registradas elevações nos preços de tarifas de transportes públicos em vários estados. O dólar, por sua vez, vem apresentando novo aumento no começo de 2016. Todos estes fatores podem pressionar a inflação.
Além disso, após um rombo recorde de mais de R$ 100 bilhões nas contas públicas em 2015, o mercado financeiro não acredita na capacidade de o setor público atingir a meta de superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública) de R$ 30,5 bilhões em 2015, ou 0,5% do PIB. A previsão do mercado é de um déficit de 1% do PIB, de cerca de R$ 60 bilhões, neste ano. Sem a retirada destes recursos da economia, eles poderiam impulsionar a inflação.
Para 2016, a expectativa do mercado financeiro, colhida na semana passada pelo próprio Banco Central, é de que o IPCA some 7%, ou seja, acima novamente do teto do sistema de metas de inflação – algo que o Banco Central busca evitar a qualquer custo.
“Acho que o BC está em uma situação terrível. Tem gente que fala que o aumento de juros não tem mais efeito sobre a inflação, um cenário conhecido como ‘dominância fiscal’, mas não dá para ter certeza. Se o BC estiver seguindo a lógica do sistema de metas, ele é bem claro: tem que miminizar as expectativas de inflação e não deixá-las desancorar da meta. Se eu fizesse parte do Copom, eu manteria a taxa de juros ou aumentaria naquele menor patamar, em 0,25 ponto percentual”, avaliou o professor de Economia da Universidade Federal de Pelotas, Claudio Shikida, pesquisador da política monetária.
Para o economista Alexandre Schwartsman, a teoria de de que a recessão vai “tomar conta” da inflação só funciona se as previsões de inflação estiverem “ancoradas” com as metas do governo, o que não acontece atualmente. “O BC vai ter que subir os juros. Se não subir agora, lá na frente o problema vai ficar pior. Em 2011, [o BC] poderia ter trazido a inflação para a meta com menos esforço. Agora vai ter que subir mais os juros”, avaliou o ex-diretor do Banco Central.