A parcela 1% mais rica da população brasileira – cerca de 1,4 milhão de adultos que ganham a partir de R$ 229 mil anuais – detinha 24,4% da renda do país em 2012, fatia pouco maior do que era em 2006, quando o mesmo grupo concentrava 22,8% de toda a renda brasileira.

No mesmo período, movimento parecido ocorreu entre os 10% mais ricos do Brasil: o percentual da renda apropriada por eles subiu de 51,1% para 53,8%. Apesar do leve aumento, não dá para dizer que a desigualdade social cresceu; apenas que ela não diminuiu no período, como indicavam as pesquisas de renda.

As conclusões são dos pesquisadores Marcelo Medeiros e Pedro H. Souza, ambos da Universidade de Brasília (UnB). Elas reforçam a tese, que gerou polêmica em 2014, de que a desigualdade social no Brasil não diminuiu nos últimos anos, ao contrário do que indicavam pesquisas de renda como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Medeiros, também pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), destaca que, apesar do aumento demonstrado nos números, os dados são apenas um sinal adicional de que não houve queda na desigualdade. “É imprudente interpretar isso como aumento da desigualdade, pois é uma flutuação muito pequena. É um sinal adicional de que não houve queda”, afirmou.

No artigo “Estabilidade da Desigualdade: Resultados Adicionais”, os autores puseram à prova a pesquisa divulgada no ano passado, que pela primeira vez nas últimas duas décadas usou dados da Receita Federal obtidos de declarações do Imposto de Renda para medir a desigualdade social. Proibidos de divulgar o resultado da pesquisa em período eleitoral, o episódio culminou na saída de Medeiros do cargo de vice-coordenador da diretoria de previdência, população e demografia do Ipea, bem como a do diretor de estudos e politicas sociais do Ipea, Herton Araujo. À época, o Ipea negou que a proibição tivesse motivação eleitoral.

“Fiz o pedido de exoneração porque julgo que é dever do Ipea manter a população informada das conclusões de seus estudos, independentemente de campanhas eleitorais”, diz Medeiros. Desde a elaboração, em 2014, os estudos de Medeiros e Souza foram apresentados em várias instituições de pesquisa e receberam uma série de críticas e comentários. No novo artigo, buscaram tratar das principais questões levantadas por elas.

Um ponto importante, explica Medeiros, são as diferenças de metodologia do seu estudo, que analisa dados tributários, em relação às pesquisas de renda do IBGE. “A renda medida na Pnad não é a mesma medida no Imposto de Renda. A Pnad exclui coisas como heranças, que o Imposto de Renda também trata como renda”, diz Medeiros, que diz que pode vir daí a discrepância dos dados. “Isso iniciou uma controvérsia sobre o comportamento recente da desigualdade: de um lado os que defendem uma queda sistemática da desigualdade, de outro os que defendem estabilidade”, explicam os pesquisadores no artigo.

Na metodologia utilizada pelos pesquisadores da Unb, os dados tributários são usados para calcular o montante da renda dos 10% mais ricos, e a Pnad para estimar a renda dos 90% mais pobres. Já a renda total do Brasil, fundamental para as comparações sobre a divisão do “bolo” entre classes sociais, é estimada em torno de 68,3% do PIB. “Usamos aquilo que cada fonte de dados tem de melhor”, diz o pesquisador, que destaca que enquanto a Pnad subestima a renda do topo, o Imposto de Renda sequer tem dados sobre os mais pobres.

Embora corrobore a tese do primeiro estudo, o novo artigo avança ao utilizar dados de renda do IBGE disponíveis até 2012 – no anterior, a série parava em 2009. Foi possível, assim, calcular com mais detalhe o quanto da renda total fica nas mãos dos mais ricos. “As conclusões gerais se mantêm: a desigualdade é mais alta que o normalmente estimado e se manteve estável entre 2006 e 2012″, afirma Medeiros.

Outra conclusão reforçada no artigo é a de que os mais ricos afetam muito mais a desigualdade que os pobres. A estabilidade não é fortemente afetada pela exclusão de adultos de baixa renda, ou mesmo sem rendimento, nos cálculos.” É provável que haja subestimação das rendas mais baixas na Pnad, mas ela precisaria ser muito grande – ao ponto de comprometer seriamente seu uso para outros fins, como o estudo da pobreza – para produzir uma queda sistemática da desigualdade”, afirmam os autores no texto.

Fonte: Valor Econômico