Com hepatite C e cirrose, a auxiliar administrativa Roseli Fátima Rodrigues, 48, de São Paulo, tenta, desde novembro passado, buscar na farmácia de medicamentos de alto custo do Estado os remédios sofosbuvir e alfainterferona, que compõem o coquetel contra a doença.
“Estou correndo risco de vida. Mas sempre que vou à farmácia ouço que os remédios estão em falta”, diz. “O tratamento é de 120 dias e custa R$ 300 mil. Não tenho como pagar”, completa.
O mesmo acontece com a controladora Cristina Bastos, 31, de Piracicaba (a 160 km de São Paulo). Com retocolite ulcerativa, que causa pequenas úlceras no intestino, dores e sangramento, ela tenta desde janeiro obter o infliximab.
“Tenho que tomar a injeção a cada dois meses, mas a resposta que tive foi que estava em falta. Pediram para procurar depois do Carnaval, mas ainda não chegou.”
As duas pacientes usam remédios para tratamentos especializados, de custo elevado, que devem ser adquiridos pelo Ministério da Saúde e entregue aos Estados. Desde o ano passado, no entanto, pacientes relatam a falta de diversas drogas nos municípios paulistas.
Estão em falta ao menos seis medicamentos para tratamentos especializados: simeprevir, daclatasvir, sofosbuvir, infliximab, donepezila e alfainterferona. O mais caro deles, o infliximab, sai ao menos R$ 1.136 a unidade.
Eles são destinados a pacientes com hepatite C, doença de Crohn, doenças autoimunes, alzheimer, câncer. Só no Estado de São Paulo, pelo menos 21,5 mil pessoas, segundo a Secretaria de Estado da Saúde, dependem desses remédios para viver ou para ter melhor qualidade de vida.
O problema também tem sido denunciado em outros Estados, como Minas, Paraná e Rio. Em Goiás, o atraso é de quatro meses para o daclatasvir, sofosbuvir e simeprevir, segundo o governo.
Apesar da distribuição obrigatória pelo Ministério da Saúde, não há punição no caso de falta ou atraso. Pacientes podem recorrer à Justiça, e só então o juiz decreta multa caso o remédio não seja entregue.
Diagnosticado com doença de Crohn, que atinge o intestino, um paciente do Hospital das Clínicas que prefere não ser identificado foi informado que só conseguirá tomar o infliximab em abril, após três meses. Ele conta que sintomas da doença como cólica e febre voltaram após três anos de intervalo.
Já o funcionário público Francisco da Silva Filho, 60, de Nova Odessa (a 122 km de SP), que estava sem remédio desde janeiro, só conseguiu as doses após ir à Justiça.
Para a professora da faculdade de medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Maria Marluce Vilela, a sociedade também é prejudicada, pois o tratamento desses pacientes voltará à estaca zero, precisando de novos exames e consultas.
“O vírus pode voltar a se desenvolver e até criar resistência aos remédios”, diz o farmacêutico Eduardo Tadeu Lima e Silva, gerente da Associação Brasileira dos Portadores de Hepatite.
VACINAS
Vacinas de fornecimento obrigatório pelo Ministério da Saúde estão em falta em várias cidades paulistas, como as de hepatite, DTP (tétano, difteria e coqueluche), tetraviral (sarampo, caxumba, rubéola e catapora), antirrábica e catapora. Estados como Goiás, Paraná e Minas também têm falta de imunizantes.
Em Campinas, os estoques estão zerados para as hepatites A e B, e a DTP, segundo a prefeitura. Contra tétano e difteria, a quantia de vacinas que chegou é insuficiente.
OUTRO LADO
O Ministério da Saúde afirmou que houve problemas na distribuição de remédios e vacinas e que aguarda o envio de doses por laboratórios nacionais e internacionais.
A pasta negou que o desabastecimento se deva à crise econômica no país.
Em nota, disse que entregou a São Paulo 17.169 frascos de infliximab no último dia 15 e que a entrega de donepezila está agendada para os próximos dias.
Sobre a alfainterferona, a expectativa é fazer a distribuição em março.
Já sobre os remédios simeprevir, daclatasvir e sofosbuvir, a pasta diz que a entrega está regular para os pacientes que estão enquadrados nos protocolos.
Responsável por receber os medicamentos do Ministério da Saúde e distribuir aos pacientes, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo disse que a entrega dos medicamentos simeprevir, daclastavir e sofosbuvir deveria ter ocorrido já em dezembro do ano passado.
A pasta da gestão Geraldo Alckmin (PSDB) afirma ainda que a necessidade é maior do que a alegada pelo ministério, em uma dimensão de cerca de dois terços.
A secretaria também afirmou que a quantidade de infliximab enviada pelo ministério é a metade do necessário para o trimestre. A entrega, disse, também atrasou.
Questionado novamente, o Ministério da Saúde informou que a entrega do infliximab para São Paulo está sendo feita em duas remessas e que a segunda, de 16.169 frascos, ocorrerá em março. A pasta não explicou os atrasos. Em 2015, disse, foram aplicados R$ 5,1 bilhões na compra de remédios de alto custo. Para este ano, o previsto são R$ 6,2 bilhões.
Já sobre as vacinas, o ministério informou que o atraso na entrega se deve à indisponibilidade no mercado e que a distribuição para a maioria delas será normalizada neste mês.
Segundo o Ministério da Saúde, os recursos aplicados na compra de vacinas cresceu 141% em cinco anos, de R$ 1,2 bilhão em 2010 para R$ 2,9 bilhões em 2015. O ministério diz que são distribuídas cerca de 400 milhões de doses por ano para combater cerca de 20 doenças.
Consultado sobre a alegação do ministério, o Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de SP) disse, em nota, que não há problema de abastecimento dos remédios citados na reportagem.